quinta-feira, 18 de julho de 2013

Um pensamento, um sonho, um sentimento, uma inquietude, uma exaltação, uma dor, uma esperança nobre falar-me-ão íntimos e rirão desdenhosamente dos ignaros carrascos!...






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- “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”

de Jorge de Sena



Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo por vós. Um simples mundo,
onde tudo seja apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.

Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse com suma piedade e sem efusão de sangue.

Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.

Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer
aniquilando mansamente, delicadamente
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.

É isto que mais importa – essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhe foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam “amanhã”.
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é só nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória dos sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.
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segunda-feira, 15 de julho de 2013

“Ao invés de se empenhar em resolver as violações flagrantes ou sequer em admiti-las, o governo norte-americano está mais interessado em processar Edward Snowden. As tentativas de pressionar governos para que bloqueiem os esforços do informador de procurar asilo são deploráveis”





- Posições tomadas sobre Snowden e os EUA pela Amnistia Internacional:
(divulgação)




Sexta, 12 Julho 2013 15:35

Amnistia Internacional reúne com Edward Snowden



Foi no aeroporto de Moscovo, na sexta-feira, 12 de julho, que a Amnistia Internacional reuniu com o norte-americano Edward Snowden.

O diretor do escritório da Amnistia Internacional no país, Sergei Nikitin, fez as seguintes declarações após falar com o ex-consultor da CIA:
“Foi com prazer que a Amnistia Internacional reiterou o apoio a Edward Snowden, agora pessoalmente. Vamos continuar a pressionar os governos para que assegurem que os seus direitos são respeitados – tal inclui o indiscutível direito a pedir asilo onde quer que pretenda”.
“O que foi divulgado por Snowden é, evidentemente, do interesse público e as suas ações de denúncia são fundamentadas. Snowden revelou extensos programas de vigilância ilegais, que, sem dúvida, interferem com o direito de cada pessoa à privacidade”.
“Os Estados que tentam impedir alguém de revelar comportamentos ilegais como os denunciados por Snowden estão a desprezar o direito internacional. A liberdade de expressão é um direito fundamental”.

“Ao invés de se empenhar em resolver as violações flagrantes ou sequer em admiti-las, o governo norte-americano está mais interessado em processar Edward Snowden. As tentativas de pressionar governos para que bloqueiem os esforços do informador de procurar asilo são deploráveis”.


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Sexta, 05 Julho 2013 11:21

Estados Unidos não devem perseguir Edward Snowden




As ações dos Estados Unidos para capturar Edward Snowden e bloquear as suas tentativas de requerer asilo são deploráveis e constituem uma violação dos direitos humanos, defende a Amnistia Internacional. O pedido de asilo é um direito incontestável e está consagrado no Direito Internacional.

“Segundo o que sabemos, Edward Snowden está a ser acusado, principalmente, por divulgar atos ilegais realizados pelo governo dos Estados Unidos – e por outros governos – que violam os direitos humanos”, refere Michael Bochenek, diretor para a área de Direito Internacional e Política da Amnistia Internacional. “Ninguém deve ser acusado por revelar informação sobre violações de direitos humanos. A divulgação de informação deste tipo está protegida pelo direito à informação e à liberdade de expressão”.
A iniciativa das autoridades norte-americanas de acusar Edward Snowden ao abrigo da Lei da Espionagem deixa-o sem possibilidade de invocar como defesa o facto de ter revelado informações de interesse público. Além das acusações, o seu passaporte foi revogado, o que interfere com a sua liberdade de deslocação e dificulta o pedido de asilo noutro país.
“Nenhum país deve enviar um indivíduo para outro país onde este corra sérios riscos de sofrer maus tratos”, relembra Bochenek. A Amnistia Internacional acredita que a extradição de Edward Snowden para os Estados Unidos pode sujeitá-lo a este tipo de tratamento e colocá-lo numa situação de possível violação dos seus direitos humanos.




sexta-feira, 12 de julho de 2013

Snowden: Microsoft colabora ativamente com a NSA e o FBI






Snowden: Microsoft colabora ativamente com a NSA e o FBI

Novo artigo publicado pelo The Guardian mostra como a Microsoft trabalhou com a NSA para permitir que os programas de vigilância contornassem as proteções instaladas pela própria empresa nos seus serviços de mail, de “cloud”, e nas ligações de som e vídeo feitas através do Skype. Ironicamente, o marketing da empresa de Bill Gates afirma que “A sua privacidade é a nossa prioridade”.


Documento interno da NSA elogia a colaboração dos técnicos da Microsoft com o FBI para permitir melhor acesso aos dados privados dos seus clientes


Um novo artigo publicado na noite desta quinta-feira no site do jornal britânico The Guardian e assinado por Glenn Greenwald, o jornalista e jurista que tornou públicas pela primeira vez as revelações de Edward Snowden, e também por Ewen MacAskill, Laura Poitras, Spencer Ackerman e Dominic Rushe traz novas revelações que mostram que os técnicos da Microsoft trabalharam estreitamente com a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, bem como com o Federal Bureau of Investigation (FBI) para facultar o acesso de programas de vigilância em massa, como o PRISM, aos seus serviços de e-mail, como o recém-lançado portal Outlook.com (que inclui o popular Hotmail) ou ao serviço de “cloud” (armazenamento de ficheiros em servidores na Internet) SkyDrive.
A sua privacidade é a nossa prioridade”
Ironicamente, a última campanha de marketing da Microsoft usava o slogan “A sua privacidade é a nossa prioridade”. Mas os documentos a que o Guardian teve acesso mostram que os técnicos da empresa de Bill Gates trabalharam em equipa com os da NSA para permitir que a agência tivesse acesso às conversas trocadas em sistemas de chatno portal Outlook.com, contornando os sistemas de criptografia que os protegem. Isto é: a Microsoft criou e entregou aos espiões da NSA uma forma de contornar os seus próprios sistemas de segurança. Os espiões da agência já tinham acesso aos mails da Microsoft antes da sua encriptação.
O artigo revela ainda que desde que, em julho do ano passado, a Microsoft comprou o Skype, um serviço de telecomunicações de voz e vídeo através da Internet, a NSA obteve uma nova capacidade que lhe permitiu triplicar a captura de vídeos através do sistema. As estimativas mostram que o Skype tem algo como 663 milhões de utilizadores à escala planetária.
Um documento da NSA citado pelo Guardian afirma que a monitorização dos vídeos do Skype triplicou desde julho de 2012, e elogia o trabalho de equipa entre os técnicos da empresa, da NSA e do FBI.
A política de privacidade do Skype afirma que a empresa está “comprometida a respeitar a sua privacidade e a confidencialidade dos seus dados pessoais, dados de tráfego e conteúdo das comunicações”.
Trabalho do FBI durante muitos meses junto com a Microsoft”
A cooperação da Microsoft's estendeu-se ao serviço ode armazenamento em “cloud” SkyDrive. Durante muitos meses, diz um documento citado pelo artigo, técnicos da empresa e do FBI cooperaram para que o programa de vigilância PRISM tivesse acesso a todo o conteúdo armazenado no SkyDrive sem ter de fazer um pedido especial. “Esta nova capacidade resulta numa recolha com uma resposta muito mais completa e instantânea”, sublinha uma newsletter interna da NSA, que acrescenta: “Este sucesso é o resultado do trabalho do FBI durante muitos meses junto com a Microsoft para ter esta solução de recolha de dados a funcionar”.
Ouvida pelo jornal britânico, a Microsoft disse que fornece dados de clientes apenas em resposta a pedidos específicos do governo”.
Mas sabe-se que um tribunal secreto de vigilância permite que as comunicações na net sejam recolhidas pelos programas de vigilância sem um mandato judicial individual se o agente da NSA tiver 51% de convicção que o alvo não é um cidadão dos EUA e não está em solo norte-americano Se o alvo for cidadão dos EUA é teoricamente necessário um mandato, mas a NSA pode coletar dados sem mandato se o cidadão for estrangeiro e localizado no exterior. Isto é, se for você, leitor.


- A partir de:  Esquerda.net




domingo, 7 de julho de 2013

A obrigação legal de denunciar os crimes de guerra





- Segue-se uma tradução (praticamente literal) de 3 parágrafos do artigo de Marjorie Cohn intitulado "O dever legal de Bradley Manning de expor crimes de guerra"  (abaixo divulgado na íntegra no original em inglês) de 8 de Junho de 2013 (publicado no seu site, e daí retirado). 

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"O Dever Legal de Bradley Manning de Expor Crimes de Guerra


O julgamento em tribunal militar de Bradley Manning, o caso mais significativo desde que Daniel  Ellsberg divulgou os "Papéis do Pentágono", teve início. Embora se tenha declarado culpado de 10 das acusações no início deste ano o que lhe custará 20 anos de prisão, os promotores militares insistem em prosseguir com as acusações de colaboração com o inimigo e de violação do "Espionage Act" [espionagem a favor do inimigo], cuja pena é a prisão perpétua. A Administração de Obama que fez mais acusações de violação do "Espionage Act" do que todos os anteriores presidentes [e Administrações] juntos, pretende enviar uma mensagem forte e clara a todos os que no futuro possam ter a pretensão de efectuar qualquer divulgação - mantenham a boca fechada.

A obrigação legal de denunciar os crimes de guerra

Manning é acusado de crimes por ter enviado centenas de milhar de arquivos classificados, documentos e vídeos, incluindo o vídeo "Collateral Murder", "Iraq War Logs", "Afghan War Logs" [documentos sobre as  guerras do Iraque e do Afeganistão] e do Departamento de Estado à WikiLeaks. Muito do material enviado contém evidências de crimes de guerra.
(...)

Manning cumpriu o seu dever legal de denunciar crimes de guerra. Ele cumpriu com o seu dever legal de obedecer a ordens  legais, mas também com o seu dever legal de desobedecer a ordens ilegais.
(...)"


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(divulgação)


Marjorie Cohn



SATURDAY, JUNE 8, 2013



Bradley Manning's Legal Duty to Expose War Crimes


The court-martial of Bradley Manning, the most significant whistleblower case since Daniel Ellsberg leaked the Pentagon Papers, has begun. Although Manning pled guilty earlier this year to 10 offenses that will garner him 20 years in custody, military prosecutors insist on pursuing charges of aiding the enemy and violation of the Espionage Act, that carry life in prison. The Obama administration, which has prosecuted more whistleblowers under the Espionage Act than all prior presidencies combined, seeks to send a strong message to would-be whistleblowers to keep their mouths shut.

A legal duty to report war crimes

Manning is charged with crimes for sending hundreds of thousands of classified files, documents and videos, including the "Collateral Murder" video, the "Iraq War Logs," the "Afghan War Logs," and State Department cables, to Wikileaks. Many of the things he transmitted contain evidence of war crimes.

The Collateral Murder video depicts a US Apache attack helicopter killing 12 civilians and wounding two children on the ground in Baghdad in 2007. The helicopter then fired upon and killed the people trying to rescue the wounded. Finally, a US tank drove over one of the bodies, cutting the man in half. These acts constitute three separate war crimes.

Manning fulfilled his legal duty to report war crimes. He complied with his legal duty to obey lawful orders but also his legal duty to disobey unlawful orders.

Section 499 of the Army Field Manual states, "Every violation of the law of war is a war crime." The law of war is contained in the Geneva Conventions.

Article 85 of the First Protocol to the Geneva Conventions describes making the civilian population or individual civilians the object of attack as a grave breach. The firing on and killing of civilians shown in the Collateral Murder video violated this provision of Geneva.

Common Article 3 of the Geneva Conventions requires that the wounded be collected and cared for. Article 17 of the First Protocol states that the civilian population "shall be permitted, even on their own initiative, to collect and care for the wounded." That article also says, "No one shall be harmed . . . for such humanitarian acts." The firing on rescuers portrayed in the Collateral Murder video violates these provisions of Geneva.

Finally, Section 27-10 of the Army Field Manual states that "maltreatment of dead bodies" is a war crime. When the Army jeep drove over the dead body, it violated this provision.

Enshrined in the US Army Subject Schedule No. 27-1 is "the obligation to report all violations of the law of war." At his guilty plea hearing, Manning explained that he had gone to his chain of command and asked them to investigate the Collateral Murder video and other "war porn," but his superiors refused. "I was disturbed by the response to injured children," Manning stated. He was also bothered by the soldiers depicted in the video who "seemed to not value human life by referring to [their targets] as 'dead bastards.'"

The Uniform Code of Military Justice sets forth the duty of a service member to obey lawful orders. But that duty includes the concomitant duty to disobey unlawful orders. An order not to reveal classified information that contains evidence of war crimes would be an unlawful order. Manning had a legal duty to reveal the commission of war crimes.

No reason to believe leak could harm US or aid foreign power

In order to prove Manning violated the Espionage Act, prosecutors must prove beyond a reasonable doubt that he had "reason to believe" the files could be used to harm the United States or aid a foreign power. When he pled guilty, Manning stated, "I believed if the public, particularly the American public, could see this it could spark a debate on the military and our foreign policy in general as it applied to Iraq and Afghanistan." He added, "It might cause society to reconsider the need to engage in counter terrorism while ignoring the situation of the people we engaged with every day." These are hardly the words of a man who thought his actions could harm the United States or help a foreign power. To the contrary. Manning will be permitted to introduce evidence about his belief that certain documents would not cause harm to national security if publicly released. It was after Wikileaks published evidence of the commission of war crimes against the Iraqi people that Iraq refused to grant criminal and civil immunity to US troops if their stay in Iraq was prolonged, causing Obama to withdraw them from Iraq. This saved myriad American and Iraqi lives.

Making an Example of Manning: cruel, inhuman and degrading treatment

Manning was 22 years old when he courageously committed the acts for which he stands criminally accused. For the first 11 months of his confinement, he was held in solitary confinement and subjected to humiliating forced nudity during inspection. In fact, Juan Mendez, UN special rapporteur on torture, characterized the treatment of Manning as cruel, inhuman and degrading. He said, "I conclude that the 11 months under conditions of solitary confinement (regardless of the name given to his regime by the prison authorities) constitutes at a minimum cruel, inhuman and degrading treatment in violation of article 16 of the Convention against Torture. If the effects in regards to pain and suffering inflicted on Manning were more severe, they could constitute torture." Mendez could not conclusively say Manning's treatment amounted to torture because he was denied permission to visit Manning under acceptable circumstances. Mendez also concluded that, "imposing seriously punitive conditions of detention on someone who has not been found guilty of any crime is a violation of his right to physical and psychological integrity as well as of his presumption of innocence."

Obama himself has also violated Manning's presumption of innocence, saying two years ago that Manning "broke the law." But although the Constitution requires the President to enforce the laws, Obama refuses to allow the officials and lawyers from the Bush administration who sanctioned and carried out a regime of torture – which constitutes a war crime under Geneva – to be held legally accountable. Apparently if Bradley Manning had committed war crimes, instead of exposing them, he would be a free man, instead of facing life in prison for his heroic deeds.




Marjorie Cohn é professora da Faculdade de Direito Thomas Jefferson e ex-presidente da National Lawyers Guild [uma espécie de Ordem dos Advogados dos EUA]; é vice-secretária geral de comunicações da Associação Internacional de Advogados Democráticos e representante dos EUA no Comité Executivo da Associação Americana de Juristas. É autora de Cowboy Republic: Six Ways the Bush Gang Has Defied the Law [República dos cowboys: seis vezes em que o gang de Bush desobedeceu à lei] e co-autora, com Kathleen Gilberd, de Rules of Disengagement: The Politics and Honor of Military Dissent. Pode-se ler uma antologia dos seus escritos em The United States and Torture: Interrogation, Incarceration and Abuse. Outros artigos da professora Marjorie Cohn são acessíveis em www.marjoriecohn.com



- Artigo em: Marjorie Cohn



(Os destaques, a vermelho, são da minha responsabilidade)




sábado, 6 de julho de 2013

Enganadores, ou falsos, silogismos ...






Concerto


- A 3 de Julho o presidente boliviano Evo Morales parte de Moscovo com destino à capital da Bolívia; La Paz. A carreira do avião onde segue inclui a passagem pelo espaço aéreo de países como: Itália, França, Espanha, Portugal, mas estes decidem, em conjunto (mera coincidência...), encerrar os respectivos espaços aéreos à passagem do avião - impedindo-o de seguir o seu curso - em violação das normas do Direito Internacional que regem o tráfego aéreo. "Algo de que não há memória, não se registando sequer em  tempo de guerra" informam alguns comentadores, e, que, segundo 1 representante do governo boliviano tal interdição poderia ter posto em risco a vida do presidente (eleito) da Bolívia (assim como a de todos os restantes elementos a bordo). Forçando o avião a desviar-se do rumo, em direcção a Viena.
Ao fim da noite, em Viena (onde teve que permanecer durante 13 horas), Evo Morales recebe uma visita (de cortesia) do embaixador espanhol, na Áustria, tendo este convidado Morales para tomar 1 café.
E, adivinhe-se onde?
Não! não, no conforto da sala VIP do aeroporto de Viena (como aparentemente seria natural). Mas sim - nem mais nem menos - no interior do avião onde viajara o presidente boliviano ... ao que parece, repentinamente, o embaixador  mostrou-se interessado em conhecer o interior do avião de Morales ...

(Ora, embora me pareça desnecessário, referiria - apesar disso - que é este o clímax de todo o episódio da viagem de Evo Morales. 
- A verificação pelo embaixador espanhol (e da serviçal Espanha) de que Edward Snowden (o último cidadão - até ao momento - a pedir asilo político para fugir às garras dos EUA) não segue a bordo do avião! Como os EUA e os seus serviços secretos julgavam (ou supunham) ...)
- É este o momento revelador de todas as "peripécias" da viagem de Morales.

1 - Este tinha partido de Moscovo (local onde se supõe encontrar Snowden)
2- Morales tinha-se mostrado aberto, publicamente, a considerar a hipótese de asilo político a Snowden
3 - Logo, conclui a "intelligentia" americana, Snowden viaja no avião rumo à Bolívia (ou, à fortes possibilidades de tal acontecer ...).

E, então - oportunidade das oportunidades -, deitar-lhe a mão (a Snowden).
- Uau!... Seria perfeito!...
- Mas parece que a "intelligentia" americana eficaz - em tarefas mais "musculadas" - se revelou aqui algo "lenta" e falha de tecido cinzento ...

- O sequestro do avião e do presidente da Bolívia em território austríaco e europeu, revelou-se 1 completo falhanço!
- O trabalho de "sapa", e, a acção concertada dos EUA e dos seus cúmplices europeus foi debalde ... Não foi desta que apanharam Snowden!!...



Da manifesta ausência de vértebras ...


- Contrastes 
(2 dias antes ...)

1 - A "indignação" alastrou célere pela Europa, perante as revelações de Snowden de que os EUA têm andado a vigiar vários dos seus estados ...
(Isto incluído em práticas e  programas, vários, de vigilância global dos serviços secretos americanos a estados, instituições, jornalistas e cidadãos em geral - praticamente a tudo que se mova - em todos os continentes e mantidos secretos (vários deles)  até às revelações de Snowen pelo "The Guardian" e pela "Der Spiegel" - o que o transformou em mais um "alvo a abater" pelos EUA)

- As notícias deram de imediato conta duma vaga de "pedidos de explicações" e de "condenações" iradas às práticas "inqualificáveis" dos aliados americanos - uma verdadeira facada tinha sido disferida nas costas de tão diligentes e fiéis servidores! ...
- Injustificável! 

2 - As ameaças e exigências sucederam-se a oriente do Atlântico ...

- A A.F.P., revela, citando fonte europeia; "se for confirmado que os americanos espiaram os seus aliados, teremos consequências políticas. Isto supera de longe as necessidades da segurança nacional".
- O porta-voz de Angela Merkel - apelativo - pediu aos EUA que "restabeleçam" a confiança junto dos aliados ...
- Por sua vez, o porta-voz do governo alemão, Steffen Seibert, - mais peremptório - afirma "a Europa e os EUA são sócios, amigos, aliados. A confiança tem que ser a base da nossa cooperação e deve ser restabelecida neste campo. Isto já é a Guerra Fria". Bolas! ...
- Mais ou menos em simultâneo UE e vários governos europeus pedem explicações  aos EUA face à acusação (ou denúncia) de que estes tinham espiado gabinetes da UE ...
- Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, adverte - severamente -, que as actividades de espionagem (da NSA - "Agência de Segurança Nacional" dos EUA) poderiam ter "impacto severo", afirmando, mesmo, que seria, a confirmar-se, 1 "gigantesco escândalo" ...
- Elmar Brok, também do Parlamento Europeu, afirmou - laminar - as práticas de "espionagem adquiriram uma dimensão tal que nunca julguei possível da parte dum estado democrático"...

- Não deixa de ser significativo que em praticamente todas as declarações dos responsáveis europeus (nas acima referidas assim como em outras), as "indignações", "ameaças", "exigências" sejam temperadas com as expressões; "amigos", "sócios", "aliados" ...

(O The Guardian e a revista alemã Der Spiegel, com base em documentos e informações fornecidos por Snowden, revelam (apenas em relação  à Europa) que 38 embaixadas (várias das quais europeias) e missões diplomáticas (assim como a rede informática interna da UE em Washington e gabinetes da ONU em Nova Iorque) foram classificadas, pela NSA, como "alvos de espionagem".
Nos meios utilizados há de tudo, de microfones escondidos em telefones, dispositivos electrónicos em cabos, antenas especiais para captar e registar conversas, etc, etc
- A tecnologia ao serviço da paranóia ...)

3 - No que se refere a Portugal, os seus representantes políticos alegaram, 2º os media, "considerações técnicas" ("considerações" não explicitadas apesar da insistência junto do governo de alguns jornalistas) para impedir a passagem pelo espaço aéreo nacional do avião em que seguia Evo Morales.

- Curiosamente, trata-se do mesmo país que em 16 de Março de 2003 cedeu o território aos EUA, de Bush, para o tiro de partida da Guerra do Iraque.
- Das Lajes, Bush ribombou os tambores da criminosa guerra - acompanhado por Barroso, Blair e Aznar!






- Isto, apesar, do que que anunciava ser ilegal a todos os níveis; violar a Carta da Nações Unidas, ser à margem da ONU e contar com a sua oposição. Nenhum destes factos constituiu qualquer impedimento.

- Os súbditos vergam-se moles perante o dedo em riste do Senhor imperial!

- Mas a Cimeira das Lajes (ou "Cimeira da Guerra" como foi apelidada) não foi mais do que um marco inicial de uma cruel, sanguinária, ilegal guerra que teve como (algumas) consequências mais de 1 milhão de mortos, mais de 4 milhões de refugiados, etc, etc, etc, ...

- Portugal - juntamente com vários outros países europeus e outros; 54 no total segundo Relatório da Open Society Foundations (Organização de Defesa dos Direitos Humanos) - não teve, também,  qualquer problema em colaborar  nos programas "secretos" levados a cabo em nome do "combate ao terrorismo" nomeadamente em abrir o seu espaço aéreo e em escancarar as portas e as pistas dos seus aeroportos aos aviões da superpotência que ilegalmente transportavam cidadãos inocentes,  vítimas de raptos da CIA (os voos "secretos" da CIA) ... - muitas dessas vítimas passaram por território nacional para serem enviadas para o matadouro ou para câmaras de tortura,  criadas por criminosos paranóicos ou loucos ...

(- É a vários níveis interessante assinalar que 2º o referido Relatório a superpotência nos seus voos "secretos" - na sua incansável azáfama de "combate ao terrorismo" - fez escala em vários aeroportos, em território nacional (entre 2002 e 2006) não uma, não 50 mas 115 vezes ...
É, ainda, interessante referir que até ao momento os partidos que suportaram os governos (desde 2002 - os mesmos que suportaram os anteriores) - PS e PSD; continuam a negar a passagem pelo território nacional de qualquer voo.
Tendo em 2010, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo PS, Luís Amado - quando confrontado com a divulgação de telegramas dos EUA envolvendo, claramente, Portugal nas actividades e nos voos da CIA - negado  (ou voltado a negar) "qualquer participação" (de Portugal) nessas actividades ...
- Portanto, oficialmente, no país nada aconteceu neste âmbito!
- Apenas em 2 ou 3 países tem havido alguma actividade judicial incriminatória dos seus serviços secretos e/ou da CIA (sem resultados até ao momento, tanto quanto julgo saber ...))



- P.S.: A Sinfonia em 6 andamentos orquestrada e dirigida a partir de Washington, e, tendo como palco a Europa não passou, afinal, de uma... cacofonia!