sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A população da Escócia vai a votos com 1 muro de ameaças e intimidações - erguido pelos neoliberais e pelos “poderosos” políticos do status quo (a este e oeste do Atlântico) - sobre os seus ombros ... (4)







(divulgação)




Referendo na Escócia: Neoliberalismo vs socialismo

O referendo na Escócia põe frente a frente a opção entre continuar no neoliberalismo ou avançar na direção do controle social sobre o investimento. Por Alejandro Nadal





Nesta quinta-feira, 18 de setembro, realiza-se o referendo mais importante dos 300 anos de vida do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. A Escócia irá às urnas para decidir a sua manutenção como parte dessa união política ou a sua conversão num Estado independente.

Para Londres, o triunfo dos independentistas representa uma séria ameaça. Por isso combate a campanha a favor do sim com todas as suas forças. A imprensa de negócios e a BBC não pouparam recursos para assustar o eleitorado e orientá-lo para o voto negativo. É certo que a diminuição de influência política será um duro golpe para Londres, mas é na frente económica que o poderio britânico seria mais afetado, entre outras coisas pela perda de uma boa parte dos recursos dos campos de petróleo e gás do Mar do Norte.

Para os partidos independentistas o referendo oferece uma oportunidade única para recuperar a independência da Escócia e estabelecer um governo democrático de centro-esquerda que permita escapar às garras do neoliberalismo que Londres e, mais especialmente, a City, têm imposto aos 5,3 milhões de escoceses.

Há 25 anos foi submetido a voto o tema da devolução de alguns poderes à Escócia. O resultado foi negativo. Naquele tempo foi argumentado que o tamanho da Escócia tornava inconcebível a independência, como se a auto-determinação de um povo fosse questão de economias de escala. Em 1997 noutro referendo, foi aprovada a criação do parlamento escocês, com poderes limitados. Mas nesse parlamento não se pode discutir o desemprego, os direitos sindicais, os salários, a desigualdade, os cortes nas despesas da saúde e da educação, ou a regulação financeira e bancária.

Esse parlamento também não pôde debater as aventuras militares de Tony Blair no Iraque e no Afeganistão. Hoje não pode opinar sobre a base de submarinos nucleares Trident na margem direita do rio Clyde ou sobre a nova ação que Londres prepara no norte do Iraque.

O debate económico sobre o referendo girou em torno da viabilidade de uma Escócia independente. Há argumentos variados, mas os dados são bastante contundentes. A economia escocesa seria forte e diversificada.

Os jazigos de petróleo os do Mar do Norte foram abertos há 50 anos, mas as reservas que corresponderiam a uma Escócia independente anunciam uma produção rentável para as próximas duas ou três décadas. O mais provável é que uma Escócia independente procederia à nacionalização da indústria petrolífera e do gás, seguindo o bem sucedido exemplo da Noruega, onde sempre se manteve o controle público sobre este setor. Ainda que haja dificuldades metodológicas para medir os fluxos de comércio internacional na Escócia, se forem incluídas as exportações de crude e de gás, o saldo da conta corrente do novo país independente seria superavitário.

A receita fiscal na Escócia atingiu os 57 mil milhões de libras esterlinas no exercício fiscal de 2011-12, o que representa quase 10 por cento dos rendimentos tributários do Reino Unido. A estrutura dos impostos é essencialmente regressiva, o que agrava o problema da desigualdade económica, mas uma nova política fiscal permitiria reverter as tendências negativas, reorientar a despesa pública, promover o desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.

Hoje o debate económico sobre a independência está centrado sobre a divisa de uma nova Escócia independente. Há três vias possíveis. A primeira implica continuar a usar a libra esterlina. A desvantagem é que a nova república entregaria o controle da sua política monetária a Londres e a regulação do sistema bancário e financeiro escaparia às autoridades escocesas. A taxa de juro no novo espaço económico seria fortemente afetada por esta falta de controle monetário e até a política fiscal ver-se-ia constrangida. Esta é a proposta do Partido nacionalista escocês, mas essa via implica permanecer na zona de influência da City e ficar no neoliberalismo.

A segunda é a adoção do euro como divisa do novo país. Parece-se com a anterior pela falta de controle da política monetária e é recusada por todos na Escócia porque equivale a adotar as posições neoliberais de Maastricht e Lisboa. O esquema que conduziu à eurocrise não pode ser uma referência em matéria de política macroeconómica na Escócia.

A terceira via estaria baseada numa moeda própria baseada num regime de flutuação semi-regulada. As novas autoridades monetárias teriam que organizar a transição, mas em princípio nada impede a adoção de uma nova moeda que permita recuperar o controle soberano dos principais instrumentos da política macroeconómica. Muito provavelmente esta nova postura estaria próxima de um esquema de tipo democrata-socialista ao estilo da Noruega.

O referendo na Escócia põe frente a frente a opção entre continuar no neoliberalismo ou avançar na direção do controle social sobre o investimento.


Artigo de Alejandro Nadal, publicado no jornal mexicano La Jornada, traduzido por Carlos Santos para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)



Economista, professor em El Colegio do México.




- A partir de: esquerda.net






sábado, 13 de setembro de 2014

A população da Escócia vai a votos com 1 muro de ameaças e intimidações - erguido pelos neoliberais e pelos “poderosos” políticos do status quo (a este e oeste do Atlântico) - sobre os seus ombros ... (3)







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FMI tenta travar campanha pela independência da Escócia

A uma semana do referendo, a entidade liderada por Christine Lagarde vem alertar que a vitória do “sim” seria fonte de “incerteza” e traria “instabilidade aos mercados”.




Foto de Phyllis Buchanan, Flickr.


“Um dos principais efeitos no imediato seria uma incerteza sobre a transição para uma situação monetária, financeira e orçamental potencialmente diferente na Escócia”, afirmou um porta-voz do FMI, Bill Murray, durante uma conferência de imprensa.

“Essa incerteza poderia levar a reações negativas nos mercados a curto prazo”, acrescentou.

Segundo Bill Murray, “a vitória do ‘sim’ levantaria várias questões importantes e complicadas que teriam de ser negociadas”, sublinhando que as consequências da vitória do ‘sim’ a longo prazo “dependem das decisões que serão tomadas durante o período de transição”.

Já o primeiro ministro escocês, Alex Salmond, acusa Londres de “intimidação” por divulgar que o Royal Bank of Scotland (RBS) transferir-se-á para a capital britânica caso os independentistas ganhem o referendo.

"Há um contraste entre a mensagem positiva da campanha pelo sim e a intimidação dos partidos de Westminster. Ontem tivemos um exemplo espetacular disto", afirmou Salmond.

Por outro lado, o líder do Partido Nacionalista Escocês frisou que "as promessas de última hora da campanha unionista não enganarão mais ninguém", referindo-se à proposta de atribuição de maiores competências à Escócia acordada pelos três principais partidos do Parlamento de Westminster.

No referendo de 1979 “disseram à Escócia que, se votasse ‘não’, teria mais poderes e, em vez isso, tivemos a Margaret Thatcher, a desindustrialização e o imposto comunitário, o sistema fiscal mais injusto de todos os tempos", acrescentou o líder nacionalista.

David Cameron, Ed Miliband e Nick Clegg, líderes dos partidos Conservador, Trabalhista e Liberal , respetivamente, deslocaram-se à Escócia para participar na campanha pelo “não”.




- a partir de: esquerda.net







sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A população da Escócia vai a votos com 1 muro de ameaças e intimidações - erguido pelos neoliberais e pelos “poderosos” políticos do status quo (a este e oeste do Atlântico) - sobre os seus ombros ... (2)






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Tariq Ali: "A separação da Escócia desmantela o estado britânico"

Nesta entrevista conduzida por James Foley, o escritor, realizador e editor da New Left Review explica o seu apoio à independência da Escócia e fala das consequências do voto Sim neste referendo.




Tariq Ali. Foto Secretaría de Cultura Ciudad de México/Flickr



Os porta-vozes do Labour escocês dizem falar em nome do internacionalismo e, frequentemente, acusam os apoiantes da independência de provincianismo e de nacionalismo tacanho. Enquanto internacionalista em Londres, por que razão és apoiante também da independência?

Porque não aceito a reivindicação do New Labour ou dos seus sósias na coligação de que são internacionalistas. O internacionalismo deles resume-se à subordinação de todo o estado britânico aos interesses dos Estados Unidos. Transformaram a Grã-Bretanha num estado-vassalo; no Iraque, no Afeganistão, em muitos outros assuntos. Isto nem sequer é um segredo bem guardado.
"Uma Escócia independente, o pequeno estado, tem muito mais hipóteses de praticar um internacionalismo real e genuino. Isto significa estabelecer relações diretas com muitos povos e países do mundo.
Por isso desafio com uma enorme convicção a provarem que algum dos governos formados no estado da Grã-Bretanha tenha alguma vez sido internacionalista. Há muito tempo que não são. A ideia de que foram internacionalistas tem de ser destruída.

O meu segundo argumento é este: uma Escócia independente, o pequeno estado, tem muito mais hipóteses de praticar um internacionalismo real e genuino. Isto significa estabelecer relações diretas com muitos povos e países do mundo. Os noruegueses, por exemplo, tanto nos media como na sua cultura em geral, estão em sintonia com países por todo o mundo. Estive na Noruega na semana passada para uma conferência sobre o Médio Oriente, dirigida por uma diplomata norueguesa. Ela contou que tinha acabado de voltar de dois anos na cidade palestiniana de Ramallah e sabia tudo sobre esse sítio. O que isto quer dizer é que lá porque se vão tornar num país pequeno, não significa que vão passar a ser provincianos. Bem pelo contrário, é possível ter o efeito contrário.

Muitos do representantes do Labour também fazem troça do SNP [Partido Nacionalista Escocês], acusando-nos de serem populistas neoliberais, contra a classe trabalhadora, e assim por diante. O que pensas do nacionalismo escocês?

O SNP transformou-se. Quando foi criado, era um partido conservador com “c” minúsculo, um pouco arcaico. Mas isso foi mudado pelo 79 Group [tendência criada em 1979]. Ainda que muitos dos seus militantes tenham sido expulsos a certa altura, incluindo Alex Salmond, estão agora no governo. Além disso, o SNP tem andado a recrutar imensa gente, incluindo apoiantes do Labour e antigos elementos de grupos de extrema-esquerda. Pessoalmente não concordo com o programa social e económico do SNP, acho que é demasiado fraco. Tenho críticas em relação a muitas outras coisas.

Julgo, no entanto, que apoiaria sem dúvida um voto no “Sim”, exclusivamente porque o povo escocês tem o direito democrático a decidir o seu próprio futuro. Esta é a primeira vez que são convidados a votar nesse mesmo direito. A União que resultou de oportunismo, corrupção e subornos em 1707 não resultou de um voto democrático, como bem sabemos. E é por isso que tiveram de travar a batalha de Culloden. Foi um episódio decisivo na história da Escócia porque a derrota em Culloden impôs a União com os contornos que lhe conhecemos, uma coisa completamente dominada pela Grã-Bretanha.

O SNP está agora a tentar quebrar essa tradição e a tentar pedir aos escoceses que declarem a independência que já foi deles. Penso que seria melhor para a Escócia e que seria melhor para a Inglaterra. O New Labour tornou-se completamente corrupto, acho eu, em todas as frentes sociais, políticas e económicas. O New Labour são os novos Conservadores de Kilt [Tartan Tories, alcunha pejorativa do SNP].

Isto não quer dizer que tenhamos de concordar com o SNP e que não devamos discutir com eles. Tenho a certeza que mesmo gente do partido o faz. A aliança Radical Independence é um fator determinante neste debate. Foi convidado a falar num encontro do SNP em Kirkcaldy em Junho e tenciono fazê-lo.

Sou fortemente a favor da independência da Escócia, e sempre fui, apesar das discordâncias com o SNP. A noção de que não se pode discordar do SNP e apoiar a independência ao mesmo tempo é absurda.

Podias falar-nos um pouco das possíveis implicações globais de uma divisão da Grã-Bretanha?

Julgo, particularmente, que seria muito positivo para a Inglaterra, que tem sempre sido um fator dominante na União. Abriria um novo espaço político. É possível que não seja vantajoso para os progressistas ao princípio, mas pelo menos obrigaria a discussão política renovar-se e construir-se a partir de um novo ponto de vista. Isso é a primeira coisa: será bom para a democracia inglesa, que está num estado lastimável.

A segunda coisa é que ajudará até os mais fanáticos dos unionistas a perceber que o jogo acabou e que têm, de uma maneira ou de outra, de ir abandonando pretensões imperialistas. Estas pretensões têm persistido, ainda que sejam uma piada neste sistema e que só têm destaque graças aos Estados Unidos. Mas quem sabe? Talvez abram espaço para uma independência britânica. Uma independência Britânica verdadeira, coisa que não existe desde pelo menos 1956.

Veremos o que acontece, mas duvido que os efeitos sejam negativos. Penso que uma Escócia independente, tendo uma intervenção independente na política mundial e na Europa, teria um impacto na Grã-Bretanha.

Também vale a pena dizer que isto só pode ser feito com o consentimento da população escocesa. Ninguém pode forçá-los. Não pode haver espaço para dizer que foi uma decisão imposta. A campanha de medo e intimidação que Londres tem lançado é patética e espero que a população escocesa lute contra ela.

Lembro-me de quando Tony Blair fez a sua última digressão pela Escócia e disse que, se votassem pela independência, cada família perderia cinco mil libras por ano. Quem sonhou com este número? Um burocrata qualquer em Whitehall que queria pensar em qualquer coisa que assustasse os escoceses. Mas aqui há uns dias li que Danny Alexander tem andado a repetir este número absurdo. Fazem isto porque querem assustar as pessoas dizendo que o nível de vida delas vai baixar. Mas não há razão nenhuma para que baixe se a economia for bem gerida.

Pensas que as elites britânicas estão preocupadas com a hipótese de independência?

Alguns setores provavelmente estão, porque encaram-na como um atentado às pretensões britânicas. Mas acho que também é bem possível que haja um setor das elites que diga “pronto, vai poupar-nos dinheiro, podemos parar de pagar subsídios, etc, e a Escócia nunca deu lucro”. Este setor das elites é aquele que acredita que o único futuro passa por vender toda a economia britânica e as cidades do sul aos ricos, aos oligarcas de várias nacionalidades, sejam ucranianos, russos, árabes, etc, que controlam hoje em dia grandes fatias dos mercados financeiros de Londres. O setor das elites que acha que este é o futuro estar-se-à nas tintas, independentemente do que digam em público.

Achas que os Unionistas estão a fazer bluff em relação à união da moeda?
"Neste momento, a moeda escocesa já tem um aspeto completamente diferente da do resto da Grã-Bretanha. A Escócia emite as suas notas. E emitirá a sua própria moeda se for impedida de ter influência. Há outras formas.
Acho que estão a fazer bluff. Mas também acho que Alex Salmond devia denunciá-los dizendo “se se vão portar de uma maneira tão má e tacanha, então a Escócia não terá alternativa senão cunhar a sua própria moeda”. Neste momento, a moeda escocesa já tem um aspeto completamente diferente da do resto da Grã-Bretanha. A Escócia emite as suas notas. E emitirá a sua própria moeda se for impedida de ter influência. Há outras formas. Acho que Salmond devia ser intransigente neste assunto e denunciar o jogo sujo. Não devia ter medo.

Posso pedir-te que fales um pouco sobre o elemento histórico disto. Por que achas que a contra-revolução neoliberal teve tanto sucesso na Grã-Bretanha?

Bom, para já não acho que tenha tido sucesso. Ou, se teve sucesso, foi principalmente porque os sindicatos e o Labour não resistiram nem lutaram contra ela. Se olhares para a América do Sul, até os países mais pequenos no continente que desafiaram o neoliberalismo e que se distanciaram dele em graus diferentes, fizeram-no com a ajuda de enormes movimentos sociais que foram surgindo. Infelizmente, o movimento sindical britânico saiu tão derrotado da Greve dos Mineiros que desistiu de tudo. Não protestaram mais, não lutaram, e a partir do momento em que o Labour se destruiu a si próprio e se transformou no New Labour, deu lugar a Tony Blair, um líder convictamente Thatcherizante. E governou fiel a esses princípios Thatcherizantes.

Portanto, no que diz respeito a uma alternativa para a população, o New Labour colaborou com os Conservadores a espalhar a ideia de que não havia alternativa. Não é que as pessoas os apoiem, principalmente depois da queda da bolsa de Wall Street em 2008. É que não lhes foram apresentadas quaisquer alternativas.

Se a Escócia se tornar independente e for governada por gente com coragem, poderá separar-se do neoliberalismo. Na Grã-Bretanha não havia nenhum movimento de fundo para o fazer. As pessoas sentiram-se derrotadas e desmoralizadas. A única força em que confiaram durante muito tempo traiu-as. E a maneira como as pessoas lutam contra isso é pela direita. O apoio crescente ao UKIP, em especial, é uma forma de oposição aos jogos da elite. É tonto, porque Farage e companhia não oferecem rigorosamente nada. Mas é esta a escala do desepero. E não há nada à esquerda para desafiar isso.

Noutras partes da Europa, ainda há contestação pela esquerda, mas não na Grã-Bretanha. Não digo que as pessoas aceitem isto, digo apenas que nenhum grupo lhes deu uma alternativa até agora.

Vais falar esta semana sobre o “desmantelamento” do estado britânico. Já nos perguntaram o que queres dizer com isso.

Quero dizer que o estado britânico, criado pela União no século XVIII, nunca foi contestado. O único documento escrito da constituição britânica é o chamado Tratado da União de 1707. Agora, o que a população da Escócia vai estar a votar se, como espero, votarem “Sim”, é para que o estado britânico tal como está seja desmantelado, ponto final. O voto pela independência da Escócia é o fim do estado britânico que conhecemos. Como se desenvolverá depois disso é o que veremos. Mas não há dúvida de que a separação da Escócia desmantela o estado britânico.

Muitos socialistas discordariam de que haja alguma coisa particularmente tóxica no estado britânico e diriam que todos os estados capitalistas são maus. Claro que sabemos que rivais como a França, a Alemanha e a Itália também têm os seus problemas. Achas que há algum traço distintivo do estado britânico? E quer isto dizer que tem de ser contestado de uma maneira específica?

De uma maneira geral, pode dizer-se que a economia capitalista destes estados é mais ou menos a mesma, mas todos eles têm peculiaridades. No caso da Grã-Bretanha, tal com o meu velho amigo Tom Nairn disse um dia, estas peculiaridades estão ao nível da sátira. A preservação da monarquia, mantida principalmente através de um internacionalismo monárquico da casa de Hannover, que arranjou reis para a Grã-Bretanha quando esta esgotou os seus descendentes naturais. A criação e a manutenção desta monarquia é uma farça.

A Câmara dos Lordes é absolutamente antidemocrática. Tudo isto dá à Grã-Bretanha um caráter arcaico. O facto de aquela telenovela absurda, Downton Abbey, ser extremamente popular é um indicador do que isto quer dizer. Todas estas coisas alimentaram na Grã-Bretanha uma deferência pelo monarca, um hábito de fazer vénias, e esse género de coisas, que se transferiu para a Escócia também, já que a mesma família real tem uma casa em Balmoral e assim por diante.

A modernização da Grâ-Bretanha tem sido impedida por isto. Por isso sim, o estado britânico tem as suas características particulares e acho que são coisas a que temos de por fim. Mas já que tem sido impossível pôr-lhes fim de qualquer outra maneira, a independência da Escócia seria um bom começo. E a propósito, a Noruega decidiu separar-se da Suécia em 1905, por razões parecidas, porque queriam o seu país e estavam fartos de ser controlados por Estocolmo. Passou-se tudo em termos razoavelmente amigáveis. É possivel!

Claro que podes dizer-me que, já que o capitalismo prevalece em toda a parte hoje em dia, não há nada a fazer. Mas isso seria uma rendição à passividade absoluta e ao fatalismo.

A Grã-Bretanha perdeu o seu império há muitas gerações, mas continua a ser imperialista?

É um sub-imperialismo, encolhido no único império que existe hoje em dia, o dos Estados Unidos da América. Mas outros países mantém desejos imperialistas. Alguns tentam reviver o passado, como Putin está a fazer na Ucrânia. Outros tentam e fingem ser império (e chegam a combater acima do seu escalão) porque se ligaram a franjas de outro império existente. Se olhares para os grandes impérios que existiram, o japonês, o alemão, o francês, o britânico, o que resta deles? Foram todos sugados pelos Estados Unidos da América. Não há nada que possam fazer sem autorização de Washington. Os Estados Unidos são mesmo o único império que sobrevive.

Mencionaste o estado lastimável da democracia inglesa. Estás preocupado com a subida da direita em Inglaterra? Por que achas que está a ter tanto sucesso neste momento?
"A esquerda tem falhado ao não apresentar críticas fortes à União Europeia e à forma como esta funciona hoje em dia, por medo de serem considerados antieuropeus. Mas não é ser-se antieuropeu pensar que a União Europeia está completamente corrupta, burocrática, antidemocrática, governada pelas elites e que é, efetivamente, uma união de banqueiros.
Principalmente porque não há mais nada. Os dois assuntos sobre os quais o UKIP faz campanha são a União Europeia e a imigração. São assuntos relacionados, porque a imigração que eles atacam, na sua maioria, é imigração vinda da União Europeia. Infelizmente, estas são reivindicações populares em toda a Europa neste momento por causa da crise económica.

Por outro lado, acho que a esquerda tem falhado ao não apresentar críticas fortes à União Europeia e à forma como esta funciona hoje em dia, por medo de serem considerados antieuropeus. Mas não é ser-se antieuropeu pensar que a União Europeia está completamente corrupta, burocrática, antidemocrática, governada pelas elites e que é, efetivamente, uma união de banqueiros. Isso é só a constatação de um facto. Mas a esquerda não tem feito campanhas sobre isso, a não ser em França.

Temos portanto uma situação em que um partido que nasce das entranhas do antigo partido Conservador e aparece com todos estes temas, é infiltrado por grupos fascistas, e torna-se uma força política cujo objetivo principal é pressionar os Conservadores a sair da Europa. E têm tido imenso sucesso ao empurrar os partidos de Westminster para a direita no que diz respeito à imigração. É por isso que subiram.

Mas julgo que há um problema mais profundo, que é discutido pelo já falecido Peter Mair, um grande político e cientista, no seu livro póstumo, “Ruling the Void” [Governando o vazio]. Afirma, corretamente, que o que temos hoje num mundo capitalista avançado é uma situação em que a classe política não representa nem as necessidades nem as opiniões da maior parte da população. Assim se caminha para uma crescente alienação da política enquanto tal.

O deficit democrático na Grã-Bretanha é enorme. É gigantesco. É também por isso que a população escocesa devia aproveitar esta oportunidade para se libertar da prisão do Reino Unido e desenvolver as suas próprias políticas, discutindo abertamente os caminhos a tomar. Não deviam aceitar como objetivo na vida uma réplica em miniatura da Grã-Bretanha neoliberal.

Muita gente está preocupada com as implicações da separação da Escócia no futuro dos governos de centro-esquerda do Labour no resto do Reino Unido. Num contexto em que há o UKIP e a subida do populismo, a Collins Review [reforma do Labour], e assim por diante, qual é o futuro da social democracia britânica?

A minha opinião sobre este assunto foi tornada pública desde o lançamento do New Labour. É agora opinião aceite que não há nenhuma diferença fundamental entre o centro-esquerda e o centro-direita na política britânica, ou na política francesa ou alemã, já que falamos nisto. O que temos, de facto, é um centro extremo. Extremo porque apoia guerras e ocupações. Extremo porque declara guerra à sua própria população, tentando culpar as vítimas pelos crimes das elites. Extremo porque está preparado para desmantelar direitos democráticos fundamentais de maneira a prevenir discordâncias nas discussões secretas do estado.

Este centro extremo inclui tanto o centro-esquerda como o centro-direita. Quando cada um deles está na oposição, fazem uns protestos ligeiros, para enfeitar, mas de maneira geral, quando estão no poder fazem exatamente a mesma coisa que os outros. Até hoje, os dirigentes do New Labour ainda não foram capazes de dizer  se acabarão com as políticas económicas fundamentais da coligação. Não o podem dizer porque são as políticas deles. São todos iguais.

Portanto, toda esta conversa sobre as forças de esquerda serem nocivas e o que restará do Reino Unido é uma enorme fachada. Uma fachada de para quê? Para nada. Não tem qualquer relação com a realidade. Os sindicatos estão enfraquecidos, a última Greve Geral foi em 1926, por isso essa ideia de que estamos a trair a unidade da classe trabalhadora na Escócia e Inglaterra não faz sentido nenhum. De qualquer forma, essa unidade pode ser conseguida mesmo com fronteiras independentes. Os socialistas sempre se bateram pela unidade internacional da classe trabalhadora, até a Primeira Guerra Mundial ter mostrado a força do nacionalismo retrógrado, que também agarrou os trabalhadores.

Por isso nenhum destes argumentos é para ser levado a sério. Os unionistas convictos têm uma argumentação séria ao dizer que deus, a igreja e a monarquia são importantes na matriz desta União desde 1707 e que não os devemos separar, e malditos os escoceses que o querem fazer. Este é, pelo menos, um ponto de vista consistente, mas completamente anacrónico.

Há que diga que a Escócia e a Inglaterra vão ser arrastadas numa corrida para o fundo do poço depois da independência. Também falam no imposto sobre as corporações e coisas assim. Achas que as coisas vão mesmo melhorar se a Escócia se tornar independente?

Acho que a base para as coisas melhorarem terá sido criada. Se melhoram ou não, dependerá de dois fatores. Primeiro, se os dirigentes do SNP se mostrarem  preparados ou não para ir mais longe no que diz respeito à criação de uma Escócia social democrata. Espero em deus que estejam. Em segundo lugar, e mais importante, dependerá do desejo da população de participar mais ativamente na política a todos os níveis numa Escócia independente. Não só através das instituições existentes, mas através da criação de instituições para observar e avaliar a nova democracia escocesa. Terão de participar e de se manifestar quando as coisas não estiverem a correr bem. Num país pequeno é muito mais fácil fazer isso. Penso que será esse o efeito, e que a esquerda na Escócia terá de desempenhar o seu papel.

O que pensas do modelo nórdico e outras variantes do capitalismo? Pode a Escócia aproveitar essas ideias?

Estamos a falar de uma altura em que o sistema capitalista triunfou e em que a ideia de socialismo sofreu uma enorme derrota global. Estamos, portanto, a viver num estranho período de transição, que bem pode durar até ao fim deste século. Não nos devemos esquecer disso. Por isso é preciso lidar com o que existe e observar como o capital, nos seus piores aspetos, pode ser regulado, e como pode um estado ser regulado de maneira a que sirva os interesses dos trabalhadores… Isto era o objetivo do Labour em 1945 e, a propósito, esse era um bom programa. Mudou, de facto, as condições de vida das pessoas e, ainda que hoje em dia não viva na Escócia, ouço dizer que o sistema de educação escocês é melhor, desse ponto de vista, do que o sistema inglês.
"É neste campo que uma Escócia independente seria uma enorme diferença. Se souber gerir a sua economia e o seu petróleo — e aqui a lição a aprender vem da Noruega, que investiu muito inteligentemente o dinheiro do petróleo.
É neste campo que uma Escócia independente seria uma enorme diferença. Se souber gerir a sua economia e o seu petróleo — e aqui a lição a aprender vem da Noruega, que investiu muito inteligentemente o dinheiro do petróleo. O resultado é que têm um estado social e uma social democracia de fazer inveja a toda a gente. Quando lá estive, os meus amigos noruegueses disseram “não te vamos ver em outubro porque vamos de baixa seis meses”. E eu disse “seis meses?! O que aconteceu?” E ele disse, “a minha mulher vai ter um bebé e, de acordo com a lei norueguesa, ambos os parceiros têm direito a seis meses de baixa com vencimento”. Fiquei surpreendido porque sabia que lá era diferente, mas não sabia os pormenores.

Por isso as pessoas pensam que, em certos aspetos, sobrevivem melhor com governos social democratas, ou com consensos que aceitem que algumas reformas são fundamentais. Foram os programas de privatizações impostos pelas elites britânicas que afundaram o país. Agora estão a vender o serviço de saúde. O New Labour devia lembrar-se disto. Há um artigo no Financial Times da semana passada, escrito pelo antigo secretário de estado da saúde, Alan Milburn, que defende a privatização da saúde, fingindo ao mesmo tempo que é uma maneira de proteger o Serviço Nacional de Saúde. Isto enfureceu muita gente na Grã-Bretanha e na Escócia. Foi o New Labour que fez isto e temos de acabar definitivamente com estas políticas e inventar uma sociedade melhor.

Não será a sociedade socialista com que muitos sonham, mas abrirá espaço para que as coisas possam pelo menos ser discutidas e para que se possam implementar reformas que vão melhorar as condições de vida na Escócia. Não há razão nenhuma para que uma Escócia independente não possa ser reindustrializada, construindo uma indústria de estaleiros com a ajuda de países fora da Europa que estão disponíveis. É disparatado ver o futuro da Escócia em relação a Inglaterra ou mesmo ao resto da Europa. Se se tiver imaginação, pode ir muito para além disso.

Parece haver uma enorme preocupação com o isolamento da Escócia depois da independência. Como pode a Escócia prevenir isso? Que espécie de alianças pensas que devem ser procuradas pela Escócia?

Mas não está a Escócia isolada neste momento? Eu diria que sim, ao fazer parte da Grã-Bretanha. Esta ideia de que ficaria isolada depois da independência está errada. Que conjunto de alianças deve procurar? A princípio, o objetivo seria estabelecer alianças com o bloco escandinavo, especialmente com a Noruega e a Suécia. Acho que seriam recebidos de braços abertos para acordos económicos, de turismo, políticos, etc. O bloco escandinavo é uma possibilidade.

Com a União Europeia, deviam lutar pelo direito das nações pequenas a serem ouvidas. A Escócia devia também criar laços com repúblicas pequenas da UE, ou mesmo com aquelas áreas da UE que ainda não são independentes, como a Catalunha.

Isto para nem falar do resto do mundo. Porque deveria a Escócia depender da Grã-Bretanha como mediadora da sua relação com países da Ásia e da África? Acho que os escoceses devem olhar para os outros continentes. Uma das novas instituições que terá de ser criada é um Ministério dos Negócios Estrangeiros, e um comércio internacional. São coisas muito importantes.




Entrevista feita por James Foley, antes de duas sessões públicas de Tariq Ali, escritor, realizador e editor da New Left Review. As sessões podem ser vistas aqui. Publicado inicialmente no site Bella Caledonia, a 10/03/2014. Traduzido por Mariana Vieira.




- A partir de: esquerda.net





quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A população da Escócia vai a votos com 1 muro de ameaças e intimidações - erguido pelos neoliberais e pelos “poderosos” políticos do status quo (a este e oeste do Atlântico) - sobre os seus ombros ... (1)






(divulgação)




O direito a sonhar

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Artigo de Jo Clifford.




Jo Clifford.



Lembro-me, e ainda belisco o braço quando me lembro, de que, quando eu era ainda uma criança, tínhamos uma grafonola de manivela. Lembro-me de dar à manivela, de pôr um disco de 78 rotações no prato, de levantar o braço da agulha, de ouvir o som desconcertado e distorcido que de lá saía. Da última vez que a minha filha cá veio, instalou o Spotify no meu telemóvel…

Isso é uma espécie de medida de quão depressa os nossos tempos mudam. Essa viagem extraordinária, uma viagem que se deu, surpreendentemente, na minha vida: da pilha de discos cheios de pó, guardados em capas de cartão a desfazer-se, até à música do mundo inteiro. No meu telemóvel.

Sei que estou a envelhecer, e sei que isto é confrangedoramente óbvio, mas o mundo está a mudar.

Quando comecei a ganhar a vida como escritora, escrevia as peças numa máquina de escrever. Costumava, literalmente, “colar e copiar”: cortava bocados dos diálogos com uma tesoura e colava-os no sítio em que ficavam melhor.

E se precisasse de informação sobre uma coisa qualquer, ia procurá-la à biblioteca. Porque não havia internet. E se quisesse enviar uma carta, punha-a num envelope, punha um selo no envelope, e deitava-a numa caixa de correio. Porque não havia outra maneira de enviar uma carta…

E naqueles dias do antigamente, em que eu ouvia a canção “Tea for two” na grafonola de manivela, não havia nada que pudesse fazer com o sentimento intenso e assustador de que eu não era um rapaz, ainda que tivesse um nome de rapaz e um corpo de rapaz.

Não havia nada que eu pudesse fazer com esse sentimento a não ser tentar reprimi-lo.

Mas agora posso viver abertamente como uma mulher, e ser protegida legalmente na minha necessidade de o fazer, e a mudança na nossa consciência coletiva que permitiu que isso acontecesse parece-me ainda mais miraculosa.

Mas mudanças há muitas neste mundo, e nada lhes é imune, muito menos o Ato de União entre a Escócia e a Inglaterra de 1707, e fingir que é imutável é completamente absurdo.

Parece que é preciso repetir isto: as mudanças acontecem e uma das coisas que temos de fazer enquanto seres humanos é enfrentarmos a mudança, acomodarmo-la e até agradecer que tenha acontecido, e tentar garantir que se reflete adequadamente nos nossos compromissos políticos, sociais e económicos.
Tentar continuar a viver como antes seria tão absurdo como se eu tentasse ouvir música no autocarro com a minha grafonola de manivela. Ou como se eu continuasse a viver, cheia de medo, no armário.

Não tenhamos ilusões, a mudança é assustadora. Todos nos lembramos do medo de ir para uma escola nova, um emprego novo, uma relação nova.

Tenho uma fortíssima, ainda que em certa medida especializada, memória do medo: do tempo em que sabia que não conseguia continuar a viver como homem. O terror de viver como mulher. De apanhar o autocarro. De comprar leite na loja da esquina. De me encontrar com a família, com os amigos, com os colegas de trabalho.

A tentação nessas alturas é de nos ficarmos pelas já familiares formas de sofrimento, porque sabemos que, de uma maneira ou de outra, aprendemos a lidar com elas. Aprendemos a ficar no emprego que detestamos, na escola que sentimos que já ultrapassámos, ou com a pessoa que já não conseguimos amar. Ou a estar sozinhos.

Isto aplica-se a nível coletivo, ou a nível nacional, tanto quanto a cada um de nós individualmente. A mudança é, absolutamente, uma parte inescapável da vida, mas é também uma coisa assustadora e há sempre a tentação de tentar fingir que não está a acontecer, que não precisa de acontecer, ou que, se não olharmos, vai desaparecer.

E nesse medo reside poder. Um poder que é fácil de usar, uma tentação a que os políticos sem visão acham difícil de resistir.

A maior parte dos políticos do não nem sequer tentou.

Continuo pasmada pela falta de argumentos positivos que demostram.
No momento em que escrevo isto, o infeliz do Nick Clegg está a tentar tornar a campanha do não numa coisa positiva; a tentar fazer com que votar não no referendo seja uma coisa inspiradora. Não é fácil imaginar como conseguirá isso.

Porque votar Não significa aceitar ser governados por um estado cujas políticas económicas estão devotadas aos interesses financeiros da City de Londres — uma minoria dentro da minoria para quem o enriquecimento é feito à custa do empobrecimento de toda a gente.

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Significa negarmos que somos o estado cliente dessa potência em declínio. Fingirmos que ainda somos capazes de dar passos maiores do que as pernas. Fingirmos que ainda somos uma potência imperial e que precisamos de nos defender com meios de intimidação nucleares absolutamente inúteis.

Votar Não significa votar sim a um estado cujas políticas sociais não conseguiram nada senão aumentar uma já desastrosa combinação de desigualdade e injustiça.

Votar Não significa votar sim a um sistema eleitoral maioritário claramente datado e injusto, e uma monarquia hereditária datada e grotescamente cara.
"Como já foi dito muitas vezes e precisa de ser repetido: o problema não é saber se apoiamos ou não Alex Salmond e o SNP, mas sim saber se aceitamos o direito e o dever da Escócia de gerir a sua vida. E se aceitamos, o que é que isso implica?
É difícil apresentar argumentos positivos para isto. E o establishment de Westminster nem nos quer a pensar nisso porque, desconfio, põe em causa um sistema em que se estão todos a dar muito bem. E isso explica muita coisa se pensarmos na dificuldade que parecem ter em fazer reformas.

Mas o resto de nós está a dar-se muito mal com isto. E, com o passar dos anos, a dar-se cada vez pior. Porque é sobejamente claro que, a tantos níveis, o sistema atual de governo britânico não é adequado à crise que enfrentamos.

O que quer dizer que votar Não é votar não à mudança e votar Sim, em contrapartida, a um desastrado e prolongado suicídio coletivo.

E é tão triste ver que a resistência a este sinistro ato de auto-destruição já não vem do Labour, que se perdeu no caminho, abandonou os seus valores, traiu os seus princípios e não nos pode oferecer mais nada a não ser uma espécie de versão leve e injusta do Conservadorismo inglês.

Mas há mais do que política partidária em causa. Como já foi dito muitas vezes e precisa de ser repetido: o problema não é saber se apoiamos ou não Alex Salmond e o SNP, mas sim saber se aceitamos o direito e o dever da Escócia de gerir a sua vida. E se aceitamos, o que é que isso implica?

Podemos começar — mas não acabar — com as políticas que esse partido propõe. Pelo menos têm princípios e políticas sãs e de energias sustentáveis. Reconhecem o direito ao ensino superior gratuito. Reconhecem o direito aos serviços de saúde gratuitos. Recusam a posse de armas nucleares. Reconhecem as nossas ligações à Europa continental. Têm um comportamento humano e saudável em relação à imigração. Estão empenhadas na justiça e igualdade para pessoas como eu, que pertencem a minorias historicamente perseguidas. Compreendem a importância das artes e de um governo que as proteja.

Isto é tudo muito bem vindo e de louvar no contexto da ideologia injusta e auto-destrutiva do consenso em Westminster.

E está tanta coisa a acontecer na Escócia neste momento. É o que já está a fazer da Escócia um país diferente da Inglaterra. Com ou sem referendo.

Mas isto não é a coisa mais importante em que estaremos a votar.

O que importa para a maior parte de nós, talvez, é que estaremos a votar pelo direito de imaginar um presente melhor e um futuro melhor para nós e para os nossos filhos. O direito de imaginar um país que não foi construído sobre as mais vis e egoístas noções de humanidade, mas sobre qualquer coisa mais nobre e mais autêntica: no nosso desejo coletivo de justiça, decência e igualdade básica. O direito de imaginar um país de que temos orgulho de fazer parte, em vez de um país de que temos vergonha. Estaremos, em suma, a votar pelo direito a sonhar.

E é depois disso haverá muito que fazer…



Jo Clifford é dramaturga, atriz e professora.

Publicado inicialmente na antologia Inspired by Independence, editada pelo National Collective, publicado por World Power Books. Traduzido por Mariana Vieira.





- A partir de: esquerda.net






terça-feira, 2 de setembro de 2014

"Agência noticiosa"








(divulgação)




Austeridade na Europa lançou 800.000 crianças na pobreza – OIT

ARTIGO | TER, 03/06/2014 - 14:30



A austeridade na Europa lançou 800.000 crianças na pobreza, um dos efeitos mais visíveis das medidas tomadas pelos governos a partir de 2008, sustenta um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado hoje.

“Em 2012, 123 milhões de pessoas nos 27 (na altura) Estados membros da União Europeia, ou 24% da população, estavam em risco de pobreza ou exclusão social (…) e cerca de mais 800.000 crianças viviam na pobreza que em 2008”, lê-se no “Relatório sobre Proteção Social no Mudo 2014/2015”, no capítulo “Erosão do modelo social europeu”.

Segundo o documento, o aumento da pobreza e da desigualdade resultou não apenas da recessão global, “mas também de decisões políticas específicas de redução das transferências sociais e de limitação do acesso a serviços públicos de qualidade”, que se juntam “ao desemprego persistente, salários baixos e impostos mais altos”.
“Em alguns países europeus, os tribunais declararam os cortes inconstitucionais”, prossegue o relatório, apontando os casos de Portugal, Letónia e Roménia, e acrescentando a iniciativa do Parlamento Europeu de investigar a legitimidade democrática das medidas de ajustamento e do seu impacto social em Portugal, Irlanda, Chipre, Espanha, Eslovénia, Grécia e Itália.

O custo do ajustamento foi transferido para as populações, já confrontadas com menos empregos e rendimentos mais baixos há mais de cinco anos. Os ganhos do modelo social europeu, que reduziu significativamente a pobreza e promoveu a prosperidade no pós II Guerra Mundial, foram erodidos por reformas de ajustamento de curto prazo”, lê-se no documento.

O relatório da agência da ONU para o Trabalho, com sede em Genebra, sublinha no entanto que, contrariamente à ideia generalizada, a austeridade não atingiu apenas os países europeus.

“As medidas de contenção orçamental não se limitaram à Europa. Em 2014, nada menos que 122 governos reduziram a despesa pública, 82 deles de países em desenvolvimento”, afirma.
Essas medidas, tomadas na sequência da crise financeira e económica de 2008, incluíram “reformas dos regimes de aposentação, dos sistemas de saúde e de segurança social (…), supressão de subvenções, reduções de efetivos nos sistemas sociais e de saúde”.

Atualmente, segundo o documento, mais de 70% da população mundial não tem uma cobertura adequada de proteção social, definida como um sistema de proteção social ao longo da vida que inclua o direito a prestações familiares e para menores, subsídio de desemprego, de maternidade, de doença ou invalidez, pensão de reforma e seguro de saúde.
Em matéria de saúde, o relatório indica que 39% da população mundial não tem acesso a um sistema de cuidados de saúde, percentagem que sobre para os 90% nos países pobres.

Segundo a OIT, faltam cerca de 10,3 milhões de profissionais de saúde no mundo para garantir um serviço de qualidade a todos os que dele necessitam.
Sobre as pensões, a OIT indica que 49% das pessoas que atingiram a idade da reforma não recebem qualquer pensão. Mas, dos 51% que recebem, muitos têm pensões muito baixas e vivem abaixo do limiar de pobreza.

Relativamente ao desemprego, só 12% dos desempregados de todo o mundo recebem subsídio de desemprego, percentagem que varia entre os 64% na Europa e os menos de 3% no médio Oriente e em África.



(os sublinhados são da minha responsabilidade)



- A partir de:  jornal da madeira , OIT