sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

"Impressões de Gaza" de Noam Chomsky




- Chomsky, que esteve recentemente (de 25 a 30 de Outubro últimos) de visita a Gaza, escreve sobre as suas impressões e analisa alguns aspectos fundamentais da situação política e social daquela que é a maior prisão a céu aberto do mundo.
(O texto que se segue constitui uma tradução do texto publicado em francês no 'site' do EuroPalestine, podendo conter algum possível erro gramatical, ou outro, apesar da preocupação, sempre presente, da obtenção da maior fidelidade possível ao texto ...).




"Impressões de Gaza



Uma só noite passada na prisão é suficiente para se ter uma ideia do que significa estar sob controlo absoluto duma força externa. E, dificilmente é preciso passar mais do que um dia em Gaza para se começar a apreciar o que deve ser semelhante a tentar sobreviver na maior prisão a céu aberto do mundo, onde cerca de um milhão e meio de pessoas, na mais densamente povoada região do mundo, está constantemente submetida ao terror geral e a punições arbitrárias, geralmente sem outro objectivo que não seja o de humilhar e aviltar, bem como o pretender garantir que as esperanças palestinianas de um futuro digno sejam rechaçadas e que seja reduzido a zero o apoio mundial, maioritariamente favorável, a um acordo diplomático destinado a conceder esses direitos.

A intensidade deste empenho por parte dos dirigentes políticos israelitas foi dramaticamente ilustrada ainda nestes últimos dias, quando avisaram que "enlouqueceriam" ("nishtagea") se a ONU reconhecesse, mesmo que de forma limitada, o direito dos palestinianos. Tal está longe de constituir uma novidade. A ameaça de "enlouquecer" está profundamente enraizada, remontando aos governos trabalhistas dos anos 1950, bem como o famoso "Complexo de Sansão" àquela associado: "Abateremos as muralhas do Templo se nos ameaçarem". Era uma ameaça vã na época. Não o é mais hoje.

A humilhação intencional também não o é, apenas tem assumido várias formas ao longo do tempo. Há 30 anos, os dirigentes políticos, incluindo alguns dos mais notórios falcões, apresentaram ao então primeiro ministro Begin um relatório tão detalhado quanto chocante, dando conta de como regularmente os colonos recorriam à violência contra os palestinianos da forma mais vil e com total impunidade. O proeminente comentador político-militar Yoram Peri escreveu com desgosto que a tarefa do exército não consistia em defender o estado, mas "em destruir os direitos de pessoas inocentes simplesmente porque são Arabouchim [um epíteto racial] vivendo nos territórios que Deus nos prometeu".

Os palestinianos residentes em Gaza têm sofrido uma punição particularmente cruel. É quase inconcebível que se possa suportar tal tipo de existência. A degradação da situação até esta chegar a tal ponto foi descrita há 30 anos numa eloquente memória redigida por Raja Shehadeh ("The Third Way"), tendo por base o seu trabalho de advogado, comprometido na desesperada tarefa de tentar proteger direitos, humanos, elementares no seio de um sistema jurídico concebido para garantir o fracasso de qualquer iniciativa nesse sentido. Sua experiência pessoal, encontra paralelo em Samid (personalidade inquebrantável), que vê a sua casa transformada em prisão por ocupantes brutais e que nada pode fazer a não ser "suportar" de alguma forma.

Após o testemunho de Shehadeh a situação piorou significativamente. Os acordos de Oslo celebrados com "pompa e circunstância" em 1993, determinaram que Gaza e a Cisjordânia formam uma única e mesma entidade territorial. Na época, os EUA e Israel tinham já lançado o seu programa tendo como objectivo a completa separação destas duas regiões de modo a bloquear qualquer acordo diplomático e punir os Araboushim dos dois territórios.

A punição infligida aos habitantes de Gaza foi ainda mais severa em Janeiro de 2006, quando estes cometeram o crime supremo: votaram "da maneira errada" aquando das primeiras eleições livres no mundo árabe elegendo o Hamas. Demonstrando a sua "paixão ardente pela democracia", os EUA e Israel, sustentados pela tímida União Europeia, imediatamente impuseram um cerco brutal a Gaza, acompanhado por intensos ataques militares. Os EUA recorreram imediatamente a um processo operativo padrão quando alguma população desobediente opta pela escolha errada: a preparação de um golpe de estado militar a fim de restabelecer a ordem.

A população de Gaza cometeu um crime ainda mais grave um ano mais tarde ao opôr-se à tentativa de golpe de estado, o que teve como consequência uma imediata intensificação do cerco e dos ataques militares. Estes culminaram no decurso do inverno de 2008-2009, com a "Operação chumbo fundido", num dos mais cobardes e violentos exercícios de força militar da história recente; uma população civil indefesa, sitiada, sem qualquer possibilidade de fuga foi submetida a um ataque implacável por um dos sistemas militares mais avançados do mundo, utilizando armamento americano e a coberto da diplomacia de Washington. Um relatório da carnificina inesquecível que teve lugar - um "infanticídio" pegando nas suas palavras - foi redigido por dois corajosos médicos militares noruegueses, que trabalhavam no principal hospital de Gaza durante aquela agressão; Mads Gilbert e Erik Fosse na sua notável obra intitulada "Eyes in Gaza".

O presidente eleito - Obama - foi incapaz de pronunciar uma única palavra, exceptuando a manifestação da sua cordial simpatia pelas crianças vítimas de tal ataque; e isto, na cidade israelita de Sderot. O ataque, cuidadosamente planeado, foi desencadeado mesmo antes da sua entrada em funções, de maneira a este poder dizer que, d'ora-avante, é tempo de olhar em frente e esquecer o passado, o que constitui a escapatória táctica clássica dos criminosos.

É claro, houve pretextos; há-os sempre. O pretexto - habitual - lançado para os holofotes mediáticos sempre que convém; a "segurança". Mera rotina.
Neste caso tratou-se de Rockets artesanais lançados a partir de Gaza. Como acontece geralmente o pretexto era desprovido de qualquer credibilidade. Em 2008 tinha sido estabelecida uma trégua entre Israel e o Hamas. O governo israelita reconheceu oficialmente que o Hamas o respeitava rigorosamente. Durante esse período nem um só Rocket foi lançado pelo Hamas, até que a coberto das eleições americanas, no dia 4 de Novembro Israel rompe as tréguas, invade Gaza, sem qualquer motivo plausível e assassina cerca de meia dúzia de membros do Hamas. Os mais altos responsáveis dos serviços secretos israelitas aconselharam o governo de Israel no sentido de que a trégua poderia ser retomada abrandando o criminoso bloqueio e pondo fim aos ataques militares. Contudo, o governo de Ehud Olmert - com a reputação de "pomba" [com a fama de amante da paz] - eliminou qualquer opção nesse sentido, e, preferindo tirar partido da sua enorme vantagem comparativa recorreu à violência máxima: a "Operação chumbo fundido".
Os principais factos foram analisados pelo comentador de política externa Jerome Slater no último número da edição MIT (Harvard), Segurança Internacional.

O método de bombardeamento utilizado aquando da "operação chumbo fundido" foi cuidadosamente analisado pelo defensor dos direitos humanos, de Gaza, Raji Sourani, um homem particularmente bem informado e internacionalmente respeitado. Sourani chamou à atenção para o facto de os bombardeamentos se terem concentrado no norte visando civis indefesos das zonas mais densamente povoadas, sem qualquer motivo militar. O objectivo dos israelitas, sugere, pode ter sido o de empurrar a população intimidada para o sul, para próximo da fronteira com o Egipto. Contudo os Samidin não se moveram apesar da torrente de terror lançada por Israel e pelos EUA.

Um outro motivo pode ter sido a expulsão para lá dessa fronteira. Quando regressamos aos primórdios da colonização sionista - argumentou-se amplamente entre os judeus no sentido de que não havia razão real para os árabes permanecerem na Palestina; estes poderiam ser igualmente felizes em qualquer outro local e deveriam partir, cortesmente; "ser transferidos", sugeriam as pombas. Esta não é uma preocupação menor no Egipto e é talvez um dos motivos que leva o Egipto e o Cairo a não abrirem as suas fronteiras livremente, aos civis ou ao fornecimento de alimentos e bens essenciais de que os habitantes de Gaza necessitam desesperadamente.

Sourani e outras fontes bem documentadas assinalaram que a disciplina dos Samidin esconde um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento, de forma inesperada, como aconteceu com a primeira Intifada em Gaza, em 1987, após anos de miserável opressão, opressão que não suscitou qualquer observação ou inquietação assinaláveis.

Para mencionar apenas um dos inúmeros casos; pouco antes do início da Intifada, Intissar al-Atar, foi assassinada a tiro no pátio de uma escola por um residente de um colonato judeu próximo. O homem era um dos muitos milhares de colonos israelitas introduzidos em Gaza em violação do direito internacional e protegido por uma enorme presença militar. Estes colonos tinham-se apossado duma grande parte das terras e da água, bem escasso na faixa de Gaza, vivendo "luxuosamente em 22 colonatos bem no meio de 1,4 milhão de palestinianos desapossados", pegando nas palavras do intelectual israelita Avi Raz. O assassino da estudante, Shmon Yifrah, foi preso, tendo em seguida sido liberto sob caução quando o tribunal decidiu que "o crime não era suficientemente grave" para justificar uma detenção. O juiz argumentou que Yifrah ao disparar na direcção da rapariga, no pátio da escola, tinha unicamente como intenção impressioná-la - não matá-la - de forma que "não se estava perante um criminoso que devesse ser punido ou dissuadido de agir da forma que agiu, não se justificando, portanto, a sua prisão". Yiafrah recebeu 7 meses, com pena suspensa, tendo os colonos, reunidos em massa na sala de audiências celebrado, cantando e dançando.
E o silêncio habitual reinou de novo. Afinal, mera rotina.

E, é este o estado das coisas. Quando Yifrah cumpriu a pena, a imprensa israelita dava conta de que uma patrulha do exército disparara no pátio de uma escola destinada a crianças dos 6 aos 12 anos, situada num campo de refugiados na Cisjordânia, ferindo 5 delas, certamente com a intenção de "as impressionar".
Não houve queixa e o incidente não atraiu qualquer atenção. Foi mais um episódio, entre inúmeros outros, do programa "analfabetismo como punição", dava conta a imprensa israelita, programa que inclui; o encerramento de escolas, a utilização de bombas de gás, a agressão de estudantes à coronhada, proibição da passagem de ajuda médica às vítimas. E, fora das escolas impera uma brutalidade ainda pior, com a escalada da selvajaria a partir da Intifada - tudo sob as ordens do ministro da defesa Yitzhak Rabin, outra pomba muito admirada.

A minha impressão inicial, após uma visita de vários dias, foi de absoluto espanto pela capacidade manifestada pelos palestinianos em viver o dia-a-dia, assim como pelo élan e pela vitalidade demonstrados pelos jovens, particularmente na universidade, onde passei uma boa parte da minha estadia participando numa conferência internacional. Mas simultaneamente podemos detectar sinais de como a pressão exercida se pode tornar extremamente difícil de suportar. Relatórios, indicam que, entre os jovens, há uma frustração latente, uma tomada de consciência de que sob a ocupação israelita o futuro nada tem para lhes oferecer. Uma existência semelhante à experimentada por animais encarcerados, susceptíveis a qualquer reacção de forma absolutamente imprevisível - aproveitando os apologistas da ocupação, israelitas e ocidentais, hipocritamente a situação para condenar pessoas que sofrem quotidianamente um processo sistemático de aculturação, como, com toda a perspicácia, Mitt Romney assinalou.

Gaza tem a aparência típica duma sociedade terceiro-mundista com redutos de prosperidade rodeados por pobreza extrema. Não é no entanto "sub-desenvolvida". Acontece que Gaza cedo foi, sim, sendo "des-desenvolvida", e, de forma impiedosamente sistemática utilizando a terminologia de Sara Roy, a principal especialista académica no que a Gaza diz respeito. A Faixa de Gaza poderia ser uma próspera região mediterrânica, possuindo uma agricultura rica e uma próspera indústria pesqueira, praias magníficas e, de acordo com descobertas com uma dezena de anos, boas perspectivas no que diz respeito a abundantes reservas de gás natural que se encontram sob as suas águas territoriais.

Por coincidência, ou não, foi quando Israel intensificou o seu bloqueio impedindo os barcos de pesca palestinianos de pescar livremente, confinando-os actualmente a três milhas náuticas ou menos.

As perspectivas favoráveis abortaram em 1948, quando a Faixa de Gaza teve que absorver um fluxo de refugiados palestinianos fugindo do terror ou expulsos à força do que se tornou Israel e, em muitos casos, deportados muitos meses após o cessar-fogo oficial.

Na verdade, a deportação continuou nos quatro anos seguintes conforme o reportado pelo Ha'aretz (25 de Dezembro de 2008), num estudo minucioso realizado por Beni Tziper acerca da história da cidade israelita de Ashkelon que remonta aos cananeus. Em 1953, relatou, "calculámos friamente que era necessário limpar a região dos árabes". O nome original da cidade Majdal tinha já sido "judaizado" tendo actualmente a designação de Ashkelon - de acordo com a prática habitual.

Foi em 1953, quando não havia o menor sinal de necessidade de intervenção militar. Tziper, ele mesmo nascido em 53, pensava enquanto caminhava pelo que resta do velho sector árabe: "é-me verdadeiramente difícil compreender que enquanto os meus pais comemoravam o meu nascimento, outras pessoas eram amontoadas em camiões e expulsas de suas casas".

Houve as conquistas israelitas de 67 e todos os golpes que continuaram a proferir em seguida. Depois vieram os crimes infames já referidos, prosseguindo estes até aos dias de hoje.

É fácil verificar isso, mesmo durante uma breve visita. No interior de um hotel perto do litoral, podemos ouvir os disparos de metralhadora de lanchas canhoneiras israelitas expulsando os pescadores das águas territoriais de Gaza até à costa, de forma que estes são obrigados a pescar em águas fortemente poluídas, devido ao facto dos americanos e israelitas recusarem qualquer autorização de reconstrução de sistemas de tratamento de resíduos e de produção de electricidade que eles próprios destruíram.

Os Acordos de Oslo estabeleceram os planos relativos a dois locais de dessalinização, uma urgência nesta região árida. Um, com tecnologia de ponta, foi construído ... em Israel. O outro em Khan Yunis, no sul de Gaza. O engenheiro encarregue de tentar obter água potável, em Khan Yunis, para a população explicou que esta instalação foi concebida de tal forma que não pode utilizar a água do mar, devendo trabalhar com a água freática, um processo menos oneroso, mas que degrada um aquífero já hoje reduzido, permitindo prever graves problemas no futuro. Com esta instalação a água é já hoje severamente racionada. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) - que lida com os refugiados, mas não outros residentes em Gaza - publicou recentemente um relatório alertando para o facto de que os danos provocados pela sobreutilização do lençol freático se podem tornar em breve "irreversíveis" e que se não forem tomadas com urgência medidas alternativas Gaza poderá não poder ser já em 2020 "um local habitável".

Israel autoriza a utilização de betão em projectos da UNRWA desde que não seja para os residentes em Gaza - envolvidos que estão em maciços esforços de reconstrução. Os equipamentos pesados necessários, já de si limitados, levados com dificuldade para Gaza, permanecem geralmente imobilizados nos locais sem poderem ser utilizados - porque Israel não autoriza a entrada de materiais de reparação. Tudo isto faz parte dum programa geral descrito pelo alto funcionário israelita Dov Weisglass, que foi assessor do primeiro ministro Ehud Olmert, depois dos palestinianos não se terem conformado com as ordens dadas nas eleições de 2006: "A ideia [afirma Weisglass] consiste em colocar os palestinianos sob dieta, mas de forma a não os deixar morrer à fome". Não seria de bom tom.

E, tal plano é escrupulosamente seguido. Sara Roy apresentou provas abrangentes em seus sábios estudos. Recentemente, após vários anos de esforços, a organização israelita de direitos humanos Gisha, teve êxito ao obter uma ordem judicial exigindo ao governo que abrisse os seus arquivos onde constam os detalhes dos planos do famoso "regime" e a forma como esses planos são aplicados. O jornalista Jonathan Cook, que vive em Israel, resume-os da seguinte forma: "os técnicos de saúde forneceram dados acerca do número mínimo de calorias necessário a evitar a desnutrição do milhão e meio de habitantes de Gaza. Esses valores foram traduzidos no número de camiões com alimentos que Israel é suposto permitir por dia (...). Uma média de 67 camiões apenas - menos de metade do número mínimo necessário - entram diariamente em Gaza. Antes do início do bloqueio [israelita] o número era superior a 400". E mesmo esta estimativa é excessivamente generosa, relatam os funcionários da ONU encarregues da ajuda.

Como resultado desta dieta forçada "resulta que cerca de 10% das crianças palestinianas com menos de 5 anos sofrem de problemas de desenvolvimento devido à mal-nutrição (...). Além disso a anemia é generalizada, afectando mais de 2/3 das crianças, 58,6% das crianças que frequentam a escola, assim como mais de 1/3 das mulheres grávidas". Os EUA e Israel visam garantir que nada além da mera sobrevivência seja possível.

"É necessário não perdermos de vista", sublinha Raji Sourani, "que a ocupação e o confinamento absoluto constituem um ataque permanente à dignidade humana da população de Gaza em particular e a todos os palestinianos em geral. Trata-se da degradação, da humilhação, do isolamento e da fragmentação sistemáticos do povo palestiniano". A conclusão é confirmada por muitas outras fontes. Numa das mais importantes revistas médicas, The Lancet, Rajaie Batniji um médico de Stanford em visita a Gaza, horrorizado com o que havia testemunhado, descreve Gaza como "uma espécie de laboratório onde se pode estudar a falta de dignidade", uma condição com efeitos "devastadores" sobre o bem-estar físico, mental e social. "A constante vigilância aérea, as punições colectivas através do bloqueio e do isolamento, a intrusão nas habitações e nas comunicações, assim como as restrições impostas às pessoas que tentam viajar, casar-se ou trabalhar, transformam numa tarefa penosa a tentativa de levar uma existência provida de dignidade em Gaza". Os Araboushim têm que aprender a não erguer a cabeça.

Esperava-se que o novo governo de Morsi, no Egipto, menos servil em relação a Israel que a ditadura de Mubarak sustentada pelo Ocidente, abrisse a passagem de Rafah, o único acesso ao exterior, para os habitantes de Gaza enclausurados, que não está sujeito ao controlo de Israel.
Houve apenas uma ligeira abertura. A jornalista Laila el-Haddad afirma que a reabertura sob o governo de Morsi "é simplesmente um regresso ao status quo do passado: apenas os palestinianos portadores de cartões de identidade aprovados por Israel podem utilizar a passagem de Rafah". O que exclui um grande número de palestinianos, incluindo a própria família de el-Haddad, pois apenas um dos cônjuges possui um cartão aprovado por Israel.

Além disso, prossegue, "A passagem não conduz à Cisjordânia, nem permite a passagem de bens de consumo livremente, pois estes são obrigados a passar pelos postos sob controlo directo de Israel e sujeitos às múltiplas proibições relativas a materiais de construção e exportações". A limitada passagem de Rafah em nada altera o facto de que "Gaza permanece debaixo de um implacável estado de sítio, tanto marítimo como aéreo, continuando a estar completamente isolada das principais cidades culturais, económicas e universitárias palestinianas do resto dos territórios ocupados, em flagrante violação das obrigações impostas aos EUA e a Israel no quadro dos acordos de Oslo".

Os efeitos são dolorosamente evidentes no Hospital de Khan Yunis, seu director e simultaneamente chefe do departamento de cirurgia, este descreve de forma apaixonada e colérica a que ponto chega a falta de medicamentos, mesmo daqueles necessários a aliviar a dor dos doentes em sofrimento, assim como a deficiência em equipamento cirúrgico, o que deixa os médicos impotentes e os pacientes em agonia. As histórias pessoais adicionam um elemento impressionante e vivo ao sentimento de pesar generalizado que se vivencia, face à obscenidade duma ocupação brutal. Um exemplo concreto é dado pelo testemunho duma jovem desesperada, cujo pai tinha ficado orgulhoso por a sua filha ter sido a primeira mulher do campo de refugiados a obter uma qualificação superior, "morreu depois de seis meses de luta contra um cancro, com a idade de 60 anos. O ocupante israelita negou-lhe uma autorização que lhe permitiria ser tratado em hospitais israelitas. Eu tive que suspender meus estudos, meu trabalho, minha vida para ficar à sua cabeceira. Todos nós; meu irmão médico e minha irmã farmacêutica sentimo-nos impotentes e desesperados presenciando o seu sofrimento. Morreu durante o inumano bloqueio a Gaza, durante o verão de 2006, num período em que o acesso aos serviços de saúde era particularmente limitado. Creio que os sentimentos de impotência e de desespero são os mais mortificantes que o ser humano pode experimentar. Destroem o espírito e despedaçam o coração. Podemos lutar contra a ocupação mas nada podemos fazer contra o sentimento de impotência. É um sentimento que não podemos de todo remover".

A dor impõe-se perante a obscenidade que permite o sentimento de culpa de pessoas inocentes. Está nas mãos de cada um de nós a possibilidade de pôr termo ao sofrimento dos Samidin e permitir-lhes a existência de paz e de dignidade a que têm direito".




- Sobre o autor:














Noam Chomsky
Linguista, filósofo e activista político americano

Avram Noam Chomsky (Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é um linguista, filósofo e activista político americano.

É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts.




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