- De Mário-Henrique Leiria
A Minha Querida Pátria
a pátria
os camões
os aviões
e os gagos-coutinhos
coitadinhos
a pátria
e os mesmos
aldrabões
recém-chegados
à democracia social
era fatal
a pátria
novos camões
na governança
liderando
as mesmas
confusões
continuando
mesmo assim
as velhas tradições
de mau latim
da Eneida
enfim
sabem que mais?
pois
vou da peida
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- De Pedro Oom
O Coelhinho Que Nasceu Numa Couve
Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve.
Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.
Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a sua própria alimentação.
O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava, considerava-a como sua verdadeira mãe.
A mãe couve e o seu filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras.
O coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem.
Quando aqueles insectos daninhos levantaram voo, os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra.
O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida.
Mas já nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras.
Passaram muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro mais magro e faminto.
Então a mãe couve disse-lhe assim:
“Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos novos, por isso só vejo ums solução: assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio passarei a ser eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?”.
O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.
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- De Joaquim Pessoa
Rimanço do País das Uvas
D. Mello e Mello e mais Mello
deu dois tiros na coutada.
“-Escapei por um cabelo!”
disse a perdiz desasada.
Dona Chuva miudinha
que caía em telha vã
viu a Bruxa malvadinha
envenenar a maçã.
Diz o rei: “-Abaixo o povo!”
Diz o povo: “-Abaixo o rei!”
Lá vem D. Fuas de novo
fazer respeitar a lei.
Traz uma trança comprida,
toda atada em noz moscada.
Grita: “-Antes nós do que nada …
Quem puder que salve a vida!”
E os lobos que andam à solta
toda a noite a dar ao dente
descem de serra e na volta
comem os olhos à gente.
Armandinlho vai à tropa
aprender a disparar
para salvar a Europa
de quem a quer devorar.
Com achas de pessegueiro
Juião acende o lume
para pôr no fugareiro
o caldeirão de ciúme.
Fechem as portas abertas
os cruzados nas campanhas.
Almoçam a horas certas.
Pagam o bife com senhas.
E as donzelas vão sorrindo
nas janelas da avenida
ao galã Dom Florindo
que já se vai de partida.
“-Porra, porra, meu senhor ...”
queixa-se um velho criado.
“Sempre a pedir por favor!
Sempre a dizer obrigado!”
E o amo que usava venda
na vista esquerda, coitado!,
vendeu depois a fazenda
os cavalos e o criado.
Mello e Fuas de Roupinho
com cama e roupa lavada
enchem a mula de vinho
e enguias de caldeirada.
E um pobre que passa à porta
pede um pedaço de pão.
Dizem-lhe: “-A coisa está torta.
Não se pode ser patrão!”
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- De Joaquim Namorado
Fábula
No tempo em que os animais falavam.
Liberdade!
Igualdade!
Fraternidade!
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- De Mário-Henrique Leiria
Rifão Quotidiano
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece