(divulgação)
Ucrânia: Incertezas
Por detrás da viragem nas negociações com a UE está, mais do que a sorte de Iúlia Timoshenko, a situação socioeconómica da Ucrânia e a natureza dos acordos. Por Catherine Samary
Foi a violência policial contra as primeiras manifestações “pro-europeias” que mudou a amplitude das mobilizações a 1 de dezembro e acentuou o descrédito do regime
Os partidos de oposição ucranianos não conseguiram aprovar no Parlamento, a 3 de dezembro, a moção de censura que visava sancionar a não assinatura pelo presidente ucraniano do Acordo de Associação negociado com a União Europeia. Divididos entre as negociações para uma remodelação governamental e o bloqueio dos edifícios governamentais para conseguir eleições antecipadas, eles apostaram na mobilização de domingo 8 de dezembro de um milhão de pessoas contra a “venda da Ucrânia a Rússia”.
Foi a violência policial contra as primeiras manifestações “pro-europeias” que mudou a amplitude das mobilizações a 1 de dezembro e acentuou o descrédito do regime. Sentindo a ascensão do protesto até nos seus bastiões do leste do país, a Ucrânia russófona, o Primeiro-ministro ucraniano chegou a pedir perdão pelos “excessos” em nome do governo e do presidente a 3 de dezembro perante o Parlamento, e a propor uma comissão tripartida (governo, oposição e mediadores europeus) para investigar essa violência. Entretanto, uma parte da oposição procura apoiar-se nas mobilizações para bloquear de forma duradoura os edifícios públicos – com risco de provocar confrontos - esperando conseguir a queda do governo.
Mas está-se longe de uma nova “Revolução laranja”, isto é, de manifestantes que se reconhecem nos programas dos “candidatos laranja” que sucederam ao regime de Leonid Kutchma (1993-2004) animados pela esperança popular de um regime não corrupto. As desilusões têm sido rápidas, e explicam que em 2010 tenha triunfado nas urnas o candidato derrotado em 2005, Viktor Yanukovich.
A face oculta dos discursos “europeus”
Yanukovich foi eleito na base de um programa de “neutralidade” militar e de equilíbrio das relações internacionais, permitindo de facto a aproximação entre diversos oligarcas. Também as negociações de aproximação à UE foram conduzidas pelo partido no poder até à recente rutura em Vilnius. A esperança dos partidos da oposição de aprovar a moção de censura no Parlamento a 3 de dezembro não era portanto realista.
Por detrás da viragem nas negociações com a UE está, mais do que a sorte de Iúlia Timoshenko (de que a UE fazia um casus belli), a situação socioeconómica da Ucrânia e a natureza dos acordos. O país não recuperou nem do choque da desintegração da URSS e das privatizações, nem da recessão de 2009. O seu PIB por habitante é de 20% da média da UE, mais baixo que o da Roménia e que o da Bulgária. O défice orçamental do país aumentou desde 2009 (cerca de 6% do PIB em 2010) e o défice da sua balança de pagamentos superou os 7% do PIB em 2012. Mas o partido no poder teme uma explosão social em caso de subida das tarifas da energia: pressionado entre as ofertas russas e as subidas de preços exigidas pelo FMI para reduzir as dívidas, negou-se a assinar o acordo, não sem antes pedir - em vão - à UE que interviesse perante o FMI ou que organizasse uma negociação tripartida (Rússia, Ucrânia e UE)1.
A questão da democracia
Mas, como sublinhava o jornal francês “La Tribune” de 3 de dezembro (“Ucrânia: o que a Europa se nega a ver”), estas realidades são ocultadas com um “deslizamento operado pelos dirigentes e pela maior parte dos média europeus da questão do tratado de associação com a UE que o presidente Viktor Yanukovich se negou a assinar para a questão da luta pela democracia”.
O desafio democrático é, contudo, real. Mas noutro sentido. Os partidos estão todos muito desacreditados, exceto talvez o do antigo campeão de boxe Vitali Klitschko, precisamente porque denuncia a corrupção endémica e põe o acento em algumas questões sociais. Como os Indignados da Bulgária, o movimento é ao mesmo tempo crítico dos partidos e de diversas conceções ideológicas: azul e amarelo são tanto as cores de Ucrânia como as da bandeira de uma UE idealizada ou também as do partido Svoboda/Liberdade (onde sobre fundo azul se levantam três dedos amarelos), o qual comemora os batalhões SS2, destrói uma estátua de Lenine ou pede a proibição do partido comunista... Sinais de europeísmo democrático?
Artigo de Catherine Samary,publicado em npa2009.org, traduzido por Faustino Eguberri para vientosur.info. Tradução para português de Carlos Santos para esquerda.net
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1 Ler sobre os Acordos de Associação e o último relatório do FMI: http://www.criticatac.ro/lefteast/u
2 Ler “Le Figaro” 13/12/2012 : “A extrema direita ucraniana entra no Parlamento” http://www.lefigaro.fr/internationa e o testemunho : http://leplus.nouvelobs.com/louismonnier
- A partir de: Esquerda.net