(divulgação)
Obama sabe que está a lutar ao lado da al-Qaeda?
Enquanto os norte-americanos dronam a al-Qaeda
até o osso no Iémen e no Paquistão, os mesmos norte-americanos, com a
ajuda dos senhores Cameron, Hollande e outros políticos-generalecos,
estarão a ajudá-los na Síria, matando inimigos da al-Qaeda. Publicado no
Independent.
Se Barack Obama decidir atacar o regime sírio, terá conseguido – pela
primeira vez na história – pôr os EUA como aliados da al-Qaeda.
Que aliança! Não eram os Três Mosqueteiros que gritavam “um por todos,
todos por um” cada vez que saíam procurando briga? Os estadistas
ocidentais deveriam repetir o mote, se – ou quando – saírem para atacar
Bashar al-Assad.
Os homens que destruíram tantos milhares no 11 de setembro, estarão a
lutar ombro a ombro com a mesma nação cujos inocentes eles mataram há
quase exatamente 12 anos. Que grande feito para o currículo de Obama,
Cameron, Hollande e o resto dessas miniaturas de senhores da guerra!
Claro que nada disso se tornará material de propaganda para o Pentágono
nem para a Casa Branca – nem, imagino, para a al-Qaeda! – embora todos
esses só pensem em destruir Bashar. A Frente Nusra, também, um dos ramos
da al-Qaeda. Mas a coisa levanta algumas possibilidades interessantes.
Talvez os norte-americanos devam pedir ajuda aos serviços de
informações da al-Qaeda. Afinal, os rapazes da al-Qaeda são os únicos
que têm “botas no terreno” por lá. E se há coisa que os norte-americanos
não querem é pôr o próprio pé ali. E, quem sabe, a al-Qaeda poderá
sugerir alguns alvos ao país que costuma dizer que os apoiantes da
al-Qaeda, mais do que os sírios, são os bandidos mais procurados do
mundo.
Haverá algumas ironias, claro. Enquanto os norte-americanos dronam a al-Qaeda até o osso no Iémen e no Paquistão – dronada,
claro, com vários civis, como sempre – os mesmos norte-americanos, com a
ajuda dos senhores Cameron, Hollande e outros políticos-generalecos,
estarão a ajudá-los na Síria, matando inimigos da al-Qaeda.
Porque você
pode apostar o seu último dólar que o único alvo que os americanos não
atacarão será a al-Qaeda ou a Frente al-Nusra.
Mercenários da Frente al-Nusra, braço armado da al-Qaeda atuando na Síria
E nosso Primeiro-Ministro aplaudirá o que quer que os norte-americanos
façam... o que fará dele, também, mais um aliado da al-Qaeda... porque
com certeza já esqueceu os ataques da al-Qaeda em Londres.
É possível –
porque os governantes modernos já não têm memória institucional – que
Cameron tenha esquecido completamente o quanto são similares os
sentimentos que ele próprio e Obama manifestam e os manifestados por
Bush e Blair há uma década: as mesmas certezas, enunciadas com a mesma
autoconfiança, mas sem qualquer prova que lhes dê credibilidade.
No Iraque, fomos à guerra movidos por mentiras distribuídas por bandidos e mentirosos conhecidos. Dessa vez, é guerra movida a YouTube.
Não significa que as imagens terríveis de civis intoxicados e mortos
por gás sejam falsas. Significa que todas as provas que provem coisa
diferente do que se disse daquelas imagens terão de ser suprimidas.
Por exemplo, ninguém jamais se interessará pelas repetidas notícias que
se lêem em Beirute, de que três membros do Hezbollah – que lutavam ao
lado do Exército Sírio em Damasco – foram ao que parece atingidos pelo
mesmo gás, no mesmo dia, ao que parece, em túneis. Agora, estão em
tratamento num hospital em Beirute.
Quer dizer então que, se o governo
sírio usou gás... como é possível que tenha atingido homens do
Hezbollah? O gás escapou-lhes pela culatra?
E já que estamos falando de memória institucional, levante a mão
qualquer dos nossos estadistas, se souber dizer o que aconteceu da
última vez que os norte-americanos cruzaram armas com o exército sírio.
Aposto que nenhum deles sabe.
Bem... Aconteceu no Líbano, quando a Força
Aérea dos EUA resolveu bombardear mísseis sírios no Vale do Bekaa, dia
4/12/1983. Lembro perfeitamente, porque eu estava aqui no Líbano. Um
bombardeiro A-6 de combate dos EUA foi atingido por um míssil Strela,
sírio – fabricado na Rússia, naturalmente – e espatifou-se no vale do
Bekaa. O piloto, Mark Lange, morreu; o co-piloto, Robert Goodman, foi
preso e metido numa cadeia em Damasco. Jesse Jackson teve de ir à Síria,
para levá-lo para casa, depois de quase um mês, voando numa nuvem de
clichês sobre “pôr fim ao ciclo de violência”.
Outro avião dos EUA –
dessa vez um A-7 – também foi derrubado por fogo sírio, mas o piloto
conseguiu ejetar-se no Mediterrâneo, de onde foi “pescado” por
pescadores libaneses. O avião foi destruído.
Sim, sim, dizem-nos que será um ataque rápido contra a Síria, um ou
dois dias, ir e vir. É o que Obama deseja supor. Mas... E o Irão? E o
Hezbollah?
Para mim – se Obama insistir e for – desta vez será ir e
fugir correndo.
Artigo publicado no Independent a 27/8/2013. Tradução de Vila Vudu para a redecastorphoto
Robert Fisk
Jornalista inglês, correspondente do jornal “The Independent” no Médio Oriente. Vive em Beirute, há mais de 30 anos
- A partir de:
esquerda.net