O capitalismo do desastre
1 – Revisitando algumas palavras de Naomi Klein publicadas no seu livro: “A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo do Desastre” (com edição em português da SmartBook) - que serviu de base ao seu esclarecedor e excelente documentário com o mesmo nome - transcreveria um excerto da Introdução:
“(...) As notícias que corriam pelo abrigo [da Cruz Vermelha em “Baton Rouge” no Louisiana, após a catástrofe natural provocada pelo furacão “Katrina” em 29 de Agosto de 2005 na região de Nova Orleães – EUA] naquele dia eram sobre Richard Baker, um proeminente congressista Republicano desta mesma cidade, que tinha dito o seguinte a um grupo de lobbyistas: “Finalmente limpámos o alojamento social em Nova Orleães. Nós não o conseguíamos fazer, mas Deus fê-lo.” (2) Joseph Canizaro, um dos mais ricos investidores no desenvolvimento de Nova Orleães, tinha acabado de exprimir um sentimento semelhante: “Creio que temos um folha em branco de onde podemos recomeçar. E com esta folha em branco temos algumas oportunidades muito grandes.” (3) Durante toda essa semana a Legislatura Estadual do Louisiana em Baton Rouge tinha estado repleta de lobbyistas corporativos a ajudar a firmar essas grandes oportunidades: impostos mais baixos, menos regulamentos, trabalhadores mais baratos e uma “cidade mais pequena e mais segura” - o que, na prática, significava planos para arrasar com os projectos de habitação social e substituí-los por condomínios. Ao ouvir toda esta conversa sobre “novos começos” e “folhas em branco”, quase nos esquecemos da sopa tóxica de entulho, escoamentos químicos e restos humanos a apenas alguns quilómetros de distância pela auto-estrada.
(…)
Um dos que viu uma oportunidade nas águas diluviais foi Milton Friedman, grande guru do movimento pelo capitalismo liberal e o homem creditado por escrever o livro de regras da economia global contemporânea hipermóvel. Apesar dos seus 95 anos de idade e uma saúde frágil, o “Tio Miltie”, como é conhecido entre os seus seguidores, encontrou forças para escrever um artigo de opinião para o Wall Street Journal três meses depois de os diques terem cedido. “A maioria das escolas de Nova Orleães está em ruínas”, observou Friedman, “assim como os lares das crianças que as frequentavam. As crianças estão agora espalhadas por todo o país. Isto é uma tragédia. É também uma oportunidade de reformar de forma radical o sistema educativo.” (4)
A ideia radical de Friedman era que, em vez de se gastar um porção dos milhares de milhões de dólares do dinheiro de reconstrução em reconstruir e melhorar o sistema de ensino público de Nova Orleães, o governo devia providenciar vouchers às famílias, os quais poderiam ser gastos em instituições privadas, muitas delas com vista no lucro, que seriam subsidiadas pelo Estado. Era crucial, escreveu Friedman, que esta mudança não fosse um remendo mas sim “uma reforma permanente”. (5)
Uma rede de peritos da ala direita agarraram na proposta de Friedman e caíram sobre a cidade depois da tempestade. A administração de George W. Bush apoiou os planos deles com 10 milhões de dólares para converter as escolas de Nova Orleães em “escolas por alvará”, instituições financiadas com dinheiros públicos e geridas por entidades privadas de acordo com as suas próprias regras. As escolas por alvará são uma questão profundamente polarizante nos EUA, em particular em Nova Orleães, onde são vistas por muitos pais afro-americanos como uma forma de inverter os ganhos do movimento dos direitos civis, o qual garante a todas as crianças o mesmo padrão de educação. No entanto, para Milton Friedman, todo o conceito de um sistema de ensino dirigido pelo Estado tresanda a socialismo (NT: Nos EUA o termo “socialismo” tem um valor depreciativo, diferente ao valor atribuído na Europa). Na sua perspectiva, as únicas funções do Estado são “proteger a nossa liberdade tanto dos inimigos do lado de fora dos nossos portões, como dos nossos co-cidadãos: preservar a lei e a ordem, fazer cumprir os contratos privados, fomentar mercados competitivos.” (6) Por outras palavras, fornecer polícias e soldados – tudo o resto, incluindo providenciar educação gratuita, seria uma interferência desleal no mercado.
Em acentuado contraste com o passo glacial a que os diques eram reparados e a rede eléctrica era restaurada, o leilão do sistema de ensino de Nova Orleães estava a acontecer com velocidade e precisão militares. Em menos de dezanove meses, com a maioria dos residentes mais pobres ainda no exílio, o sistema de ensino de Nova Orleães tinha sido quase totalmente substituído por escolas por alvará geridas por privados. Antes do furacão Katrina, o conselho escolar dirigia 123 escolas públicas; agora dirigia apenas 4. Antes da tempestade, existiam 7 escolas por alvará na cidade; agora existiam 31 (7). Dantes, os professores de Nova Orleães eram representados por um sindicato forte; agora, o contrato do sindicato tinha sido feito em farrapos, e os seus 4700 membros tinham sido despedidos (8). Alguns dos professores mais novos foram reintegrados nas escolas, com salários reduzidos; a maioria não foi.
Nova Orleães era agora, de acordo com o New York Times, “o mais preeminente laboratório da nação para o teste do uso generalizado de escolas por alvará”, enquanto o Instituto Americano do Empreendimento, um grupo de peritos friedmanita, entusiasmava-se ao dizer que “o Katrina conseguiu num dia (…) o que os reformadores escolares do Louisiana não conseguiram fazer ao fim de anos a tentar.” (9) Entretanto , os professores das escolas públicas, ao verem o dinheiro atribuído às vítimas das cheias a ser desviado para apagar um sistema público e substituí-lo com um sistema privado, apelidaram o plano de Friedman de “uma especulação imobiliária aplicada à educação.” (10)
Eu chamo a estas incursões orquestradas à esfera pública no rescaldo destes acontecimentos catastróficos, combinadas com o tratamento dos desastres como excitantes oportunidades de mercado, de “capitalismo de desastre”. (...)”
(Os sublinhados são da minha responsabilidade)
(As notas para que remete a anterior transcrição podem ser encontradas na edição da “SmartBook”)
No domínio da obscenidade ...
1 - Segue-se 1 vídeo ilustrativo das desigualdades económico-sociais nos EUA – o país mais desigual (com o maior fosso entre ricos e pobres) e injusto dos países “desenvolvidos” (ou industrializados).
Os dados são “esmagadoramente” reveladores:
- Enquanto os 1% dos americanos mais ricos possui cerca de 40% da riqueza do país (calculada em 2009 em cerca de 54 biliões (54 x 10^12) de dólares),
- Os 80% da base possui cerca de 7% da riqueza do país (dos 54 biliões),
- Nos últimos 20 a 30 anos o lucro dos 1% do topo praticamente triplicou,
- Os 1% do topo possui cerca de 50% dos investimentos (“stoks, bonds and mutual funds”), enquanto os 50% da base possui 0,5% desses investimentos. O que significa que não investem “apenas raspam o fundo”.
Mas 1 dos aspectos mais curiosos do vídeo, como o narrador salienta, é de como a percepção comum não faz a menor ideia da dimensão do fosso real ...
2 -
A riqueza crescendo a par (ou ao lado) do crescimento da pobreza
(divulgação)
Por Agência Lusa
publicado em 7 Nov 2013 - 15:46
Portugal tem mais multimilionários e estes estão mais ricos apesar da crise
Os países europeus com mais multimilionários são Alemanha (17.820), Reino Unido (10.910), Suíça (6.330), França (4.490) e Itália (1.625)
O número de multimilionários em Portugal – com fortunas superiores a 25 milhões de euros – aumentou 10,8% para 870 pessoas no último ano, apesar da crise que se vive no país, segundo um relatório do banco suíço UBS.
O “Relatório de Ultra Riqueza no Mundo 2013” confirma que em Portugal não só cresceu o número de multimilionários como aumentou o valor global das suas fortunas, de 90 para 100 mil milhões de dólares (mais 11,1%).
Segundo este estudo o crescimento do número de multimilionários em Portugal, um dos países mais flagelados pela crise na Europa, foi maior do que a média europeia (8,7) e o valor das suas fortunas aumentou também a um valor maior que o crescimento na média europeia (10,4%).
Em termos do valor total das maiores fortunas, Portugal surge em 13º entre os países da Europa e em 12º no que toca ao número de multimilionários, segundo este estudo.
A crise parece ter sido favorável também às grandes fortunas no país em pior situação nos últimos anos, a Grécia, onde o número de multimilionários cresceu 11% (para 505) e o valor das suas fortunas aumentou 20% (para 60 mil milhões de euros).
Em termos de aumento do número de multimilionários Portugal só foi ultrapassado pela Alemanha (13%), a Suíça (13,1%), a Grécia (11,1%), Roménia (12%) e Servia (11,1%) tiveram aumentos maiores.
Em termos do valor total destas grandes fortunas o crescimento em Portugal só foi ultrapassado pela Suíça (14,5%), Áustria (16,7%), Grécia (20%), Hungria (12,5%), Republica Checa (16,67%) e Roménia (21,4%).
Os países europeus com mais multimilionários são Alemanha (17.820), Reino Unido (10.910), Suíça (6.330), França (4.490) e Itália (1.625).
Em termos das cidades, as que tem mais ricos da Europa são Londres (6.360), Paris (3.195), Zurique (1.940), Munique (1.740), Genebra (1.460), Dusseldorf (1.420), Hamburgo (1.380), Frankfurt (1.310) e Roma (1.195).
Em todo o continente europeu há 58.065 multimilionários (mais 8,7%) que em 2012, com uma fortuna de 6,4 biliões de euros, mais 10,4 %.
Em todo mundo há 199.235 multimilionários, mais 6,3%, com uma riqueza de mais de 27,8 biliões de dólares.
Segundo o estudo há atualmente 2.170 bilionários com uma fortuna total de 6,5 biliões de dólares, ou 23% da riqueza total dos mais ricos.
O estudo revela que o crescimento no último ano foi maior na América do Norte e de Europa (com mais 10 mil multimilionários) e um aumento total do valor das fortunas em 1,5 biliões de dólares.
A desaceleração nos mercados emergentes levou a um queda no número de super-ricos na China e Brasil (respetivamente 4ª e 7ª nações com mais ricos do planeta).
(Os destaques a vermelho são da minha responsabilidade)
- A partir de: jornal
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-
"Relatório de Ultra Riqueza no Mundo 2013" (A partir de: Esquerda.net)
3 - Segue-se 1 interessante artigo de Stiglitz analisando e comentando as crescentes desigualdades
(divulgação)
Distância entre nações reduziu-se, mas elite de super-ricos isolou-se ainda mais. Tornou-se claro: injustiças não são “naturais”, mas cuidadosamente produzidas
Por Joseph Stiglitz, no blog The Great Divide, do New York Times | Imagem: Javier Jaen | Tradução: Antonio Martins
Sabe-se perfeitamente hoje que as desigualdades de renda e riqueza na maior parte dos países ricos, e especialmente nos Estados Unidos, dispararam, nas últimas décadas e, de modo trágico, agravaram-se ainda mais desde a Grande Recessão. Mas e no resto do mundo? A distância entre os países está se reduzindo, à medida que potências econômicas como a China e Índia resgatam centenas de milhões de pessoas da pobreza? E no interior das nações pobres e de riqueza média, a desigualdade está piorando ou sendo reduzida? Estamos caminhando para um mundo mais igual ou mais injusto?
São questões complexas. Uma pesquisa de um economista do Banco Mundial de nomeBranko Milanovic, junto com outros acadêmicos, começou a apontar algumas respostas.
A partir do século 18, a revolução industrial produziu um aumento gigantesco da riqueza na Europa e América do Norte. É claro, a desigualdade nestes países era chocante. Pense nas indústrias têxteis de Liverpool e Manchester, na Inglaterra dos anos 1820, ou nas favelas do baixo Leste de Manhattan ou do Sul de Chicago, nos 1890. Mas o abismo entre os ricos e o resto, como um fenômeno global, alargou-se ainda mais até a II Guerra Mundial. Àquela época, a desigualdade entre os países era maior que a desigualdade em seu interior.
Mas depois da Guerra Fria, no final dos anos 1980, a globalização econômica se acelerou e a distância entre as nações começou a encolher. O período entre 1988 e 2008 “pode ter representado o primeiro declínio na desigualdade global entre cidadãos do mundo desde a Revolução Industrial”, diz Milanovic, que nasceu na antiga Iugoslávia. É o autor de Os que têm e os que não têm: uma história breve e idiossincrática da desigualdade global [sem edição em português], um texto publicado em novembro último. Embora a distância entre algumas regiões tenha diminuído notavelmente – em especial, entre a Ásia e as economias avançadas do Ocidente –, persistem grandes abismos. As rendas globais, por país, aproximaram-se umas das outras nas últimas décadas, particularmente devido à força do crescimento da China e Índia. Mas a igualdade geral entre os seres humanos, considerados como indivíduos, melhorou muito pouco. O coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade, melhorou apenas 1,4 pontos, entre 2002 e 2008.
Ou seja: embora nações da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina como um todo, possam estar se aproximando do Ocidente, os pobres são deixados para trás em toda parte – inclusive em países como a China, onde beneficiaram-se de alguma forma da melhora dos padrões de vida. Entre 1988 e 2008, descobriu Milanovic, a renda do 1% mais rico do planeta cresceu 60%, enquanto os 5% mais pobres não tiveram mudança em seus rendimentos. E embora as rendas médias tenham melhorado bastante, nas últimas décadas, há ainda enormes desequilíbrios: 8% da humanidade abocanham 50% da renda global; o 1% mais rico fica, sozinho, como 15%. Os ganhos de renda foram maiores entre a elite global – executivos financeiros e corporativos nos países ricos – e entre as grandes “classes médias emergentes” da China, Índia, Indonésia e Brasil. Quem perdeu? Os africanos, alguns latino-americanos e gente na Europa Oriental pós-comunista e na antiga União Soviética, apurou Milanovic.
Os Estados Unidos oferecem um exemplo particularmente sombrio para o mundo. E como, de diversas maneiras, eles “lideram o mundo”, se outros seguirem seu padrão não poderemos esperar por um futuro mais justo.
Por um lado, a ampliação das desigualdades de renda e riqueza nos EUA é parte de uma tendência mundial. Um estudo de 2011, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), verificou que as desigualdades começaram a crescer no final dos anos 1970 e início dos 80, nos EUA e Grã-Bretanha (além de Israel). A tendência começou a se espalhar pelo mundo no final dos anos 1980. Na última década, as desigualdades de renda cresceram mesmo em países tradicionalmente mais igualitários, como Alemanha, Suécia e Dinamarca. Com algumas poucas exceções – França, Japão, Espanha – os 10% mais ricos, na maior parte das economias avançadas, dispararam, enquanto os 10% mais pobres ficaram para trás.
Mas a tendência não foi universal, nem inevitável. Nestes mesmos anos, países como Chile, México, Grécia, Turquia e Hungria conseguiram reduzir de modo significativo as desigualdades de renda (em aluns casos, muito altas). Isso sugere que a desigualdade é um produto da política, e não apenas de forças macroeconômicas. Não tem amparo nos fatos a ideia de que a desigualdade é um subproduto inevitável da globalização, do livre movimento de trabalho, capital, bens e serviços, ou das mudanças tecnológicas que favorecem os assalariados melhor formados ou capacitados.
Entre as economias avançadas, os EUA têm algumas das piores disparidades de renda e oportunidades, com consequências macroeconômicas devastadoras. O Produto Interno Bruto (PIB) do país mais que quadruplicou, nos últimos quarenta anos, e quase dobrou nos últimos 25, mas, como se sabe agora, os benefícios concentraram-se no topo – e, cada vez mais, no topo do topo.
No ano passado, o 1% dos norte-americanos mais ricos apoderou-se de 22% da renda da país. O 0,1% mais rico, sozinho, abocanhou 11%. E 95% de todos os ganhos de renda desde 2009 foram para o 1% mais rico. Estatísticas recentes demonstram que a renda mediana nos EUA não cresceu em quase um quarto do século. O homem norte-americano típico ganha menos do que ganhava há 45 anos, se considerada a inflação; homens que terminaram o ensino médio mas não completaram quatro anos de ensino superior recebem quase 40% menos do que há quatro décadas.
A desigualdade norte-americana começou a crescer há trinta anos, impulsionada por reduções de impostos para os ricos e relaxamento das regulamentações do mercado financeiro. Não é coincidência. O fenômeno foi agravado devido a investimentos insuficientes em infraestrutura, educação e saúde, e em redes de seguridade social. O aumento da desigualdade avança em espiral, ao corroer o sistema político e a governança democrática.
E a Europa parece ansiosa para seguir o mau exemplo dos EUA. A adesão a políticas de “austeridade”, da Grã-Bretanha à Alemanha, está conduzindo a desemprego alto, salários em queda e desigualdade crescente. Governantes como Angela Merkel, a chanceler alemã reeleita, e Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, argumentam que os problemas europeus resultam de dispêndios exagerados com o estado de bem-estar social. Mas esta linha de raciocínio apenas mergulhou o continente em recessão (ou mesmo depressão). O fato de o processo ter atingido o fundo do poço (a recessão “oficial” pode ter terminado) oferece pouco conforto para os 27 milhões de desempregados na União Europeia. Em ambos os lados do Atlântico Norte, os fanáticos da “austeridade” dizem: “vamos em frente; são pílulas amargas de que precisamos para alcançar a prosperidade”. Mas prosperidade para quem?
A financeirização excessiva – que ajuda a explicar a condição britânica de segundo país mais desigual (depois dos EUA), entre as economias avançadas – também permite compreender os mecanismos da desigualdade. Em muitos países, controles débeis sobre as empresas e coesão social erodida produziram abismos crescentes entre os rendimentos dos executivos-chefes e dos trabalhadores comuns. Ainda não se chegou ao nível de 500 x 1, das maiores corporações norte-americanas (segundo estatísticas da Organização Internacional do Trabalho), mas a níveis bem mais alto que os de antes da recessão. O Japão, que reduziu os salários dos executivos, é uma exceção notável. As inovações norte-americanas em rent-seeking – enriquecer não por meio de um aumento do tamanho do bolo, mas manipulando o sistema para abocanhar uma fatia maior – tornaram-se globais.
A globalização assimétrica produziu efeitos em todo o mundo. A mobilidade do capital obrigou os trabalhadores a fazer concessões salariais, e os governos a oferecer benefícios fiscais. O resultado é uma corrida para baixo. Os salários e condições de trabalho estão sob ameaça. Empresas pioneiras, como a Apple, cuja atividade baseia-se em grandes avanços científicos e tecnológicos (muitos dos quais, financiados pelos governos) também mostraram grande destreza em evitar impostos. Apropriam-se do esforço coletivo, mas não dão nada em retorno.
A desigualdade e pobreza entre as crianças é um desastre moral mais chocante. Elas desmentem as hipóteses da direita, segundo as quais a pobreza resulta de preguiça e escolhas erradas: as crianças não podem escolher seus pais. Nos EUA, uma em cada quatro crianças vive na pobreza; na Espanha e Grécia, uma em cada seis; na Austrália, Grã-Bretanha e Canadá, mais de uma em cada dez. Nada disso é inevitável. Alguns países optaram por criar economias menos desiguais: a Coreia do Sul, onde há meio século apenas uma em cada dez pessoas chegava à universidade, tem hoje um dos índices mais altos de acesso ao ensino superior.
Por todas estas razões, penso que estamos caminhando para um mundo dividido não apenas entre os que têm e os que não têm. Alguns países terão sucesso ao criar prosperidade compartilhada – a única que, a meu ver, é verdadeiramente sustentável. Outros, deixaram a desigualdade correr solta. Nestas sociedades divididas, os ricos irão se encastelar em bairros murados, quase completamente separados dos pobres, cujas vidas serão quase insondáveis para eles – e vice-versa. Visitei sociedades que parecem ter escolhido este padrão. Não são lugares em que a maior parte de nós gostaria de viver – seja nos enclaves enclausurados, seja nas favelas em desespero.
Joseph Stiglitz é professor na Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de Economia (2001) e autor, entre outros, de O Mundo em Queda Livre (Companhia das Letras).
(Os sublinhados são da minha responsabilidade)
- A partir de:
esquerda..net e
outras palavras
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N.B.: Como diria “o outro” - “É o sistema, estúpido!” ...